Mal-estar
Regina Barros Leal
Uma
sensação de queimação no estômago me incomoda. Bebo leite na esperança de
amenizar o fogo que sobe à garganta e, aflita, sinto um gosto amargo na boca. O
coração bate de tal forma que o tenho em minhas mãos pedindo liberdade. Ah! É
difícil conviver com o mal-estar que encurva o corpo deixando-o vergado como
uma árvore ressequida, seca, murcha e feia.
Sento-me à mesa e deparo-me com um prato de sopa
cheio de farelos de pão. Coisa do João, que quase sempre deixa o rastro de sua
presença gulosa. Olho ao lado e só vejo a domesticidade entranhada nas paredes,
na geladeira, no fogão. Um ar de feminino tempero, cheiro de comida feita e de
leite derramado. Não sei como entornou a xícara na toalha branca. Levanto-me para apanhar o pano de prato e
enxugar mas, escorrego numa pequena poça de xixi da cadelinha do meu filho. A danada vive sujando o piso! Mas é tão
achegada. Pula de alegria solicitando atenção quando começa a chegança do
trabalho. Faz carreira, rola no cão, pula e late fino. É uma alegria só.
Espreguiço o corpo que geme
por descanso. Olho minhas mãos e percebo que a pele está seca. Preciso de
creme. Eu sempre sou muito distraída. Elas precisam de cuidados. Vou tentar
amanhã começar o tratamento. É sempre assim.
Sinto-me fogo, ardendo
dentro de mim e bebo muita água e a quentura não passa. Vou ao armário onde
guardo os remédios de urgência. Pronto, um antiácido. Olho o relógio e escuto
seu ritmo. Tic tac. Ritmo de vida de muita gente. Tic tac. Compassado...
Igual... Sistemático... Padronizado. Fico profundamente triste ao confundir-me com o relógio. Tic tac. Será que sou assim? Eu rejeito qualquer semelhança. Eis
que, por mais que tente. De quando em vez, lá estou como o relógio. Tic Tac Tic Tac. Minha tristeza se
agudiza pela sensação de desconforto. Lembrei-me dos dias em que ao mergulhar
no mar revolto, perco o equilíbrio e bebo água misturada com terra. É uma
sensação de desespero. Aquela terra entrando e rasgando a garganta incomodada,também, pelo sal. Quente, um mal estar! Olhos irritados e o corpo doído. Vai e vem. O mar
requebra-se em ondulações incertas e traiçoeiras. Lembrei-me de muitas pessoas.
Mergulhei com algumas e as molhei com água salgado do mar. Um pouco de vingança
imaginária. Logo depois as banhei com a serenidade de águas tranquilas. Perdoei
e repudiei os pensamentos mesquinhos.
Respiro e inspiro, desejando
aliviar o desconforto. Ainda tenho a sensação de sol quente, ardendo e fogo na
mata. O ardor continua forte. Levanto-me, desta vez, para dissipar o mal
entendido entre a azia e o meu ser em infortúnio. Bebo leite morno com canela.
Ah! Delicioso. Alguns minutos e sinto que o fogo abrandou e meu estômago tomou
jeito. Graças a Deus. A calmaria.
O silêncio e a cumplicidade de um copo.
Embrenhei-me naquela realidade noturna da sala de jantar iluminada por lâmpadas
fluorescentes.
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