Conflitos
Regina Barros Leal
É
noite! Mais uma daquelas situações de embaraço em que Márcia sente-se molestada
pelo desassossego. É quando se percebe inclinada a escrever. Frente ao
computador transgride a norma do descanso e inicia uma relação diferente com a
máquina, mormente se o que pretende produzir, foge a regra do técnico e do
acadêmico, na tentativa de expressar os seus medos e angústias, bem como, suas
alegrias e descobertas outras.
Assim escorrega seus dedos
irrequietos pelo teclado. Quem sabe sua alma mergulhada nos pensamentos sobre a
existência, buscando respostas para os seus significados, terminará por
encontrar saídas e afugentar sentimentos vãos?
Quem sabe, consiga espalhar os risos silenciosos de quem ama a vida e
que, em determinada circunstancia, não partilhou a alegria rara dos que
conseguem se enternecer com o tempo.
Busca o relaxamento.
Mentaliza... E as imagens fluem e se contorcem em oscilações criativas.
Deleita-se com sua imaginação e entrever um imenso vale, tão vasto que não se
extingue no olhar de quem procura os seus limites. Percebe-se sentada escutando
a musicalidade do instante construído na num momento particular. Cria asas e na
sua docemente viaja sobre os vales e
montes. Respira o ar puro das alturas imponderáveis, escuta os sonoros acordes
dos ventos, que matreiramente a arrastam como uma folha perdida. A sensação de
leveza a envolve e se aconchega nas brancas nuvens desenhadas pela fantasia
irreverente.
E é sempre assim, gosta de
registrar sobre suas inefáveis fantasias e, sobretudo as descobertas reveladas
na sua louca e absurda incompreensão sobre a vida. Ah! A vida! Pudera, é tão
fugaz e ao mesmo tempo, tão duradoura por sua temporalidade singular de
eternidade e pelo medo da morte. Márcia a afugenta, porque a vida lhe parece ser
abundante. Esta é salvação e é o que permite continuar sonhando, desejando e
abrindo-se para a aventurar o viver.
Cogitando ainda, sobre as
inquietações presentes nesta noite analisa o fato.
Surpreende-se com a
descoberta de uma resistência inflexível que tem ao lidar com certas situações
de poder. Não convive bem com o autoritarismo. Talvez, porque nele encontre-se
em algumas circunstancias. Essa é uma situação de descontentamento que termina
fragilizando-a. Outro dia passava por um momento em que a emoção a envolveu e
rompendo os grilhões normativos da convivência humana, veio truculenta, não com
o outro, mas consigo mesma. Sofreu a constatação da pouca ou quase nenhuma
tolerância a isso. Deu-se conta de seus temores e, sobretudo resgatou o
sentimento do deleite pela descoberta amadurecida de tudo isso.
Márcia soube que não é
fácil lidar com imperfeições humanas, por outro lado, muito mais doloroso e
mais confuso é lidar com as suas fragilidades, os seus medos, as suas dúvidas.
Pior ainda, lidar com o que é velado, o não dito, os mecanismos sutis da
estratégia do poder não declarado.
Perguntava ao seu
colega de universidade, um professor amigo que o admira por sua capacidade de
reflexão e amparo.- Por que algumas
pessoas têm dificuldade de conviver com o poder? Referia-se a debilidade de
caráter daqueles que, deslumbrados pelo fascínio que o poder confere, negam
idéias e ideais. Ele refletiu sobre o
seu mal-estar causado por essas experiências, destacou as seqüelas da situação,
fruto de confronto de idéias, da presença do conflito não administrado.
Percebeu, então, que o fato a abalara e a afetara. Sentiu que não é simples
coexistir com a hipocrisia e é complexo aceitar tais dificuldades. Mas o que
ser hipócrita? Perguntava-lhe. Não seríamos todos? Tomou consciência do efeito
do desencanto quando se faz necessário o doce encantamento do diálogo, da
aceitação do outro, da humilde e da graciosa ternura expressa por quem sabe
partilhar.
Foi uma boa conversa,
simples, apropriada, necessária ao instante dolente. Ela sentiu o quanto vale a pena saber que há
amigos e que eles são imprescindíveis, mesmo que não saibam. Conversaram
bastante. Saiu confortada por reconhecer que um sentimento quando compartilhado
possibilita uma reflexão mais profunda de nossas ações e de nossos anseios
sobre a vida.
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