Florbela Espanca- a mulher
Regina
Barros Leal
Início minha reflexão sobre a escritora Florbela Espanca
que gemeu de dor, derramando-se em gotas de amargura, mas de uma beleza etérea
em seus versos sofridos, como numa das estrofes de “Silêncio!”.
No
fadário que é
meu, neste penar/Noite alta, noite escura, noite morta,/Sou o vento que geme e quer entrar,/Sou
o vento que vai bater-te à porta...
Não
vou historiar sobre a biografia de Florbela Espanca, sobretudo porque já
existem fascinantes estudos sobre a poeta que, ao despedir-se tão jovem da vida,
aos trinta e seis anos, encerrou sua magnifica obra literária.
Escolhi discorrer sobre os sentidos, a
resistência, a beleza e o significado que a poetisa deixou como legado para os
que apreciam o seu estilo e sua força telúrica. Seus poemas retratam a mulher,
o ser angustiante, a depressão que chega ao lirismo na sua expressão genuína.
Florbela
Espanca me chamou atenção há certo tempo. Seus poemas, a leitura do Livro de Mágoa”
me instigou a ler mais sobre a autora, sua biografia, sua obra. Pasma diante de
extasiante beleza, de tamanha amargura, quedei-me a fascinação de seus versos
idiossincráticos. Fui lendo...lendo e à medida em que lia apaixonava-me pela
mulher resistente aos preconceitos e normas. Vi um ser diferente que, ao
contrariar códigos, mudou o rumo de sua vida nascente. Apaixonou-se
perdidamente, vivenciou dores intensas em sua curta vida, de tal forma singular
que a concluiu entregando-se à morte.
Não
vou discorrer sobre suas escolhas, suas dores particulares, mas sobre como e
quando seus versos me tocaram a alma, os sentidos e os significados para quem
leu Florbela Espanca na maturidade da vida. Busquei ao conhecê-la, no sentido
profundo que transcende a leitura biográfica, encontrar minha essência
feminina e poética,
Expresso, pois, emoções pessoais. Li a autora procurando
compreender o finito e o infinito do ser, numa procura do indecifrável, da
definição do abismal sentimento de solidão. Foi ela, a mulher, a sua saudade
sufocante, o amor que a envolveu e a dominou, a rejeição, a desilusão, a dor
expressa de maneira inexplicavelmente bela e suas diferentes vestimentas que me
aproximaram da poetisa. A mulher que cultivou a paixão no seu extremo, o amor
em sua grandeza, a amargura na sua força devastadora, sem perder a beleza
estética de sua narrativa.
Desejava
descobrir um registro literário de emoções humanas avassaladoras, de atitudes femininas
transgressoras, da rebeldia manifesta contra os esgarçados preconceitos, as perdas
existenciais e sociais retratadas poeticamente.
‘Vacilando entre a moral e o preconceito e a
beleza própria do poema, a poesia de Florbela
teve um “frio acolhimento” durante sua vida.
Constatamos a história, “a relação mecanicista vida e
obra”, que se desenrolou em torno da poeta; tudo muito bem contado, com a base sólida da pesquisa séria de Maria Lúcia Dal Farra em Poemas de Florbela Espanca (Martins Fontes Editora).
Retratou Gerana Damulakis.
Encantada
com sua obra enveredei pela leitura de seus poemas e encontrei retornos
pessoais, encontros inusitados entre a leitora e a autora, instigada e entusiasmada
pela beleza que, ela, tão singularmente nos faz encontrar em seus versos doídos.
Amar
Eu
quero amar, amar perdidamente! / Amar só por amar: Aqui... além.../ Mais Este e
Aquele, o Outro e toda a gente.../ Amar! Amar! E não amar ninguém! / /
Recordar? Esquecer? Indiferente! / Prender ou...
Tédio
Que
diga o mundo e a gente o que quiser! /-O que é que isso me faz? ... o que me importa?
... /O frio que trago dentro gela e corta /Tudo que é sonho e graça na mulher!
/ O que é que isso me importa?! Essa tristeza / É menos dor intensa que frieza,
/É um tédio profundo de viver!
Florbela
Espanca não participou dos movimentos revolucionários como outros poetas
famosos da época o fizeram, entre eles Fernando Pessoa. O seu tempo angustiante a submergiu,
percorrendo sua interioridade nostálgica, a densa fenda do inconsciente que
tornara-se permanente em sua cruel agonia. Aprisionada em suas dores rompe em
seus sonetos a intensidade aflitiva de seus sentimentos.
A
maior tortura
Na
vida, para mim, não há deleite. / Ando a chorar convulsa noite e dia .../ E não
tenho uma sombra fugidia /Onde poise a cabeça, onde me deite ! /E nem flor de
lilás tenho que enfeite /A minha atroz, imensa nostalgia! ... /A minha pobre
Mãe tão branca e fria /Deu-me a beber a Mágoa no seu leite!
Quanta
sensibilidade atravessada pela dor espiritual, pela ausência lavrada em seus
versos. A mulher solitária, nostálgica, inconformada por sua incompletude, inconsolável
pelo amor não correspondido, pelos fracassos, as desventuras existenciais. Sofrimento
desconcertante!
Nessa jornada encontrei uma dor
tão grande...tão grande...que chega a ser incompreensível por quem não a passou
ou a sentiu. Foi esse sentimento que apreendi, que confirmei ao ler a poeta. O
não dito pela impossibilidade de dizer...
Refiz conceitos e reorganizei ideias e as certezas despencaram pela incerteza
cruel da idiossincrasia do outro, àquela que nunca chegaremos a conhecer. Esse
instante que não foi fugaz e marcou minha experiência com Florbela Espanca e não
teria como descrevê-la, por ser indescritível.
Escrevo então sobre o que não tenho como
fazê-lo. Grande paradoxo! Mas a jovem poeta me deixou como legado a sua
incrível originalidade, a sua fecunda visão da dor e que eu, na minha maturidade,
pude perceber. Foi lindo e sofrido. Entretanto, indizível no mistério do outro.
Este
trabalho, portanto, não é um ensaio sobre Florbela, um estudo sobre sua
genialidade poética. Levaria páginas e páginas, pois são tantos os ângulos e
abordagens! É uma fonte de pesquisa e estudos intermináveis. Não tive, em
nenhum instante, essa intenção, mesmo porque teria que mergulhar densamente,
por mais um longo tempo sobre sua obra magnífica. Não sei se a alcançaria.
Registro
tão somente minha mais profunda admiração, meu encontro com o inexplicável, que
inexplicavelmente me tocou e, assim, continuo a ler Florbela e em cada leitura,
em cada poema, encontro sentido e significado por me fazerem refletir sobre a
finitude e o infinito do tempo. Não
morremos, nos diluímos em versos da vida.