DESENCONTRO
Regina Barros Leal
Naquela tarde fui ao shopping. Andando, devagarinho,
olhando as vitrines refinadas de algumas das lojas, principalmente as de roupa
feminina. Enquanto comia pipoca, envolvida pelo fascínio do marketing, pensava
com meus botões sobre as minhas possibilidades de consumo, obviamente chegando
à conclusão de que não dava mais para satisfazer nem algumas das minhas miúdas
necessidades. Tal sentimento não me intranquilizava, talvez pela certeza de
saber que não podia comprar, como antes. Frustração. Isso certamente deixava-me
a vagar meu olhar indefinidamente pelas lojas.
Então eu o vi. Grande foi a satisfação com que fui me
dirigindo ao seu encontro. Como se fora num filme, pude rever algumas cenas do
passado nas quais vivi muitas emoções: as passeatas, os grupos de estudo na
UFC, as
reuniões de estudantes, os jogos universitários, os passeios nas
passarelas da universidade. Parei perto dele e me aproximei movida pelo desejo
de cumprimentá-lo. Confesso que senti saudade dos tempos idos da juventude e da
vida universitária. Foi, então, que me dirigindo a ele, falei-lhe:
- Olá, Artur! Como vai você?
Ele me olhou com ar de desconfiança, expressando através
de seu cumprimento, que não sabia quem era aquela pequena mulher. Misturavam-se
em mim, a surpresa e a alegria de rever o amigo. Havíamos sido companheiros e compartilhado
muitos momentos. E insisti:
- Não me reconhece? Será que mudei tanto assim? Alguns me dizem
que não! Até perguntam se não fiquei no freezer.
Foi aí que sua expressão mudou da desconfiança para a
perplexidade. Pude observar com mais atenção sua indumentária. Estava trajada
de calça de linho marrom escuro, camisa de cambraia branca, bem talhada,
sapatos pretos de verniz, modelo clássico.
Nisso ele diz:
- Lamento, mas não estou reconhecendo à senhora.
De novo aquela expressão - Senhora, prova da marca do
tempo. Isso, às vezes, me aborrece, noutras, tiro algum proveito do que esta
condição me proporciona.
Falei, um pouco sem jeito:
- Não está mesmo lembrado? Eu sou
a Márcia, sua contemporânea de universidade. Estudávamos juntos com a Beth, a
Ana e a Teresa. Recorda dos bons tempos em que participávamos das passeatas,
que íamos ao Céu? Você discursava sobre Marx e a revolução do proletariado,
Lênin, Freud e incitava o movimento estudantil. Você era um dos melhores. Subia
nas mesas e convocava os colegas a participarem. Rapaz ainda hoje eu admira sua
determinação e suas ideias revolucionárias em favor de uma sociedade justa.
Você realmente impressionava. Todos nós dizíamos que era o máximo!
Na verdade, eu me associava a vários desses movimentos,
mas não tinha a convicção política e ideológica que fazem a diferença. Percebo,
ao recortar parte da minha história, que participava das passeatas, tinha
clareza e consciência do movimento, compartilhava das concepções ideológicas
que sustentavam a luta estudantil, dos compromissos e dos riscos. Mas era só.
Não fui uma militante política na plena acepção do termo.
Mas,
voltando à cena, que já se constituía uma situação de vexame, ele exclamou:
- Ah! Agora me lembro! E dirigindo-se à jovem mulher que
estava ao seu lado, falou em um tom meio sem graça. Isso foi no tempo em que eu
era “doidão”.
Foi aí, então, que
olhei para a sua companheira. Elegante, bem maquiada, não negava a sua condição
de classe abastada, não apenas por esse motivo, sobretudo, pela postura própria
de quem se põe acima dos outros.
E olhando com
certo ar de indiferença disse:
- Então
ela é umas daquelas? Perguntara.
Pensei. O que essa expressão significava?
Poderia ter muitas interpretações. Foi quando ele esclareceu:
-Sim, ela era daquelas que
participavam do movimento estudantil.
Olhou, então, para mim, e com um ar
de ironia, boca retorcida com um riso de canto, transparecendo pouco caso,
falou:
- É... Parecíamos um bando de
tresloucados. Ainda bem que não guardei registro. Sabe, hoje sou empresário e
bem- sucedido, tenho uma ótima condição de vida. Já pensou se houvesse continuado
naquilo? Tolices que cometemos quando somo jovens. Não concorda?
Não falei nada. Parei e o fitei,
não reconhecendo nele, aquele universitário de jeans, camiseta de malha,
cabelos soltos, esvoaçantes, sandália tipo franciscana, animado, vibrante, de
olhos curiosos para o mundo; desejoso de mudança, febril em seus projetos
políticos! Não reconheci nele os sonhos que o embalaram naqueles dias e noites
distantes de um passado renegado.
Finalmente, dei por concluído o que parecera tão
promissor e terminara tão opaco, sem graça.
- Pois então, tchau.
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