A
VISITA
Meio
dia. O sol escaldante. O suor corria a cântaros. Sentada em um barranco,
coberto por uma tábua de madeira, esperava o carro que viria me apanhar.
Naquele dia fui visitar uma amiga que morava num bairro da periferia. Estava
doente. Lastimável situação. Ela me parecera tão debilitada e indefesa!
Enquanto esperava, recordava a cena anterior.
Ao
chegar a porta de sua casa bati levemente. Sua irmã atendeu.
-Olá.
O que deseja? Disse num tom frio e com
um olhar desconfiado abriu a porta e deixou que eu entrasse, já nessa
altura, desconfortada pela seca recepção.
Sua
irmã, uns dez anos mais velha, era quem cuidava dela. Denotando impaciência, ajeitou o avental azul,
desbotado pelo uso. Não sei se foi impressão minha, mas, achei que seu tom era de alguém irritado,
ao dizer-me:
-Entre.
Madá esta lá no quarto. Cuidado para não pisar no fio do ventilador, alertava, apontando para o chão de
cimento esverdeado.
- Obrigada, mas onde fica mesmo o quarto? Não
conheço a casa, disse um pouco constrangida, pelo seu tom de voz.
-Dobre
à esquerda logo aí, depois do armário. Falou com frieza.
O
armário a que se referia era um pequeno móvel de madeira escura. Chamou-me a
atenção pelo detalhe de sua forma. Parecia uma arca antiga já desgastada pelo
tempo.
Entrei
no quarto. Sombrio. A cortina da janela basculante, era
improvisada com um esgarçado
lençol azul marinho, usado para
evitar a claridade. Um cheiro de éter
exalava por todo o aposento., impregnando as paredes, os objetos. Quase
desmaiei. De uma maneira geral odores fortes me incomodam.
-
Oi, Madá! Dirigi-me a ela observando seu semblante pálido, marcado pela dor.
- Olá. Respondeu fragilmente.
Sua voz denotava um tom de desconforto.
- Madá,
trouxe o retrato da turma, como você pediu. E tirando-o da minha bolsa de
couro, fui entregando.
Para sentar-se na cama, ela fez um esforço,
que me pareceu gigantesco face a sua debilidade física.
E continuei como se não houvera percebido.
- Veja, a Laura está grávida do segundo filho.
Ela pediu que avisasse que da próxima
vez virá. Dizendo isso, passei minha mão direita em sua cabeça afagando os seus cabelos, já escassos pela
quimioterapia. E ela aceitou placidamente o gesto de ternura.
-
Se houver oportunidade, pois estou muito fraca. Minhas pernas já não respondem
ao meu comando, e minha cabeça dói continuamente. E essa dor no peito! Balbuciava baixinho
crispando seu semblante, outrora
juvenil.
-Deixa
de falar tolice, Madá, repliquei.
Foi
quando, olhando mais fixamente, encarou-me
expressando a sua dor e a noção de seu tempo:
-Não
me subestime, Márcia. Espero que esta aflição não se alongue. A dor é insuportável! Não vale a pena sofrer inutilmente. Quisera
poder fazer alguma coisa, mas não
tenho ânimo. Respirou com dificuldade e continuou:
- Essa sensação me deixa perturbada. O jeito
é a resignação. E tenho buscado isso na fé. Mas, como você bem sabe, sempre fui muito
distraída!
Ao
terminar de falar, suas mãos trêmulas procuravam um copo de água, colocado na
mesinha de cabeceira. Pude observar rapidamente que tinha uma caixa de
remédios, uma vela de 7 dias, uma Bíblia e a foto que lhe dera.
De
súbito, entra sua irmã.
- Madá, está na hora da injeção! E num gesto
rápido sem que eu pudesse perceber, afastou minha mão de sua cama.
-
Sinto muito, mas é preciso, senão ela não suportará as dores. Você me permite ?
-
Claro, respondi meio desconcertada. Segurei minha bolsa e fui saindo do
quarto. Foi então, que ouvi sua voz
quase inaudível:
- Márcia,
abrace as meninas por mim. Sinto muito!, disse, desculpando-se por não poder
dispor de mais tempo. Seus olhos marejavam e ela olhou-me como que dizendo
adeus.
Saí,
e carregando a tristeza sofri profundamente pela inexorável finitude humana.
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