A FESTA DE CASAMENTO
Regina Barros Leal
Uma
tarde de domingo. A meninada corria na pracinha ao lado. A vila estava em
festa. Era o dia do casamento de Lucinha, a garota mais bonita de Suruaru.
Bem-nascida, filha do Coronel Sinhô, ela espargia cheiro de rosa por onde
passava. Todos os rapazes sonhavam casar com ela. Só sonhos. Lucinha iria
esposar o bacharel em direito, Dr.
Eduardo, moço bonito das bandas da capital. Rapaz engomado, com ar de opulência
escancarada. O pessoal de Suruaru não simpatizava muito com o seu jeitão de menino mimado. Mas, o que
fazer? Iriam assistir à chegada dos
noivos, do lado de fora da igreja, pois que só entravam os convidados do
Coronel: a gente importante da cidade. Um magote de gente fina, embestados,
assim dizia Zé Mãozinha, apelidado por
conta de um defeito de nascença. Sua mão
esquerda era pequena e com os dedos
encolhidos.
A vila toda estava do lado de fora
da igreja, com exceção do padre, do juiz, com sua mulher e filhos, do promotor,
dos deputados, do Dr. Soluço, médico da cidade que herdara o apelido pelas frequentes
noites de boêmia. Além deles, os ricaços
da cidade. Foram esses os convidados. Aos outros, fora-lhes dado o direito de
assistirem à entrada e à saída dos
noivos e convidados.
18
horas. Os sinos tocaram anunciando um tempo de festa. Aperreados, o padre e o sacristão apareceram
na frente da igreja. Faltara a Amelinha, a moça que parecia um rouxinol ao
cantar. Mariazinha, acalmando os ânimos, afirmava que não se preocupassem.
Amelinha era assim mesmo, agradava- lhe chamar
a atenção. Pouco tempo depois,
dissipando as dúvidas, ela descia do Jeep, acompanhada de sua mãe, Dona
Ermengarda, costureira fogosa da região.
19
horas. Os convidados, mulheres, homens e crianças, arrumados de tal maneira que
mais pareciam manequins de lojas chiques, desdenhavam as mulheres fofoqueiras
de Suruaru.
Os carros estacionavam perto da Igreja e, de dentro deles, desciam
senhoras cheias de paetês e plumas, opulentas, caminhando com desenvoltura
sobre sapatos de salto alto e de bico
fino; homens de ternos escuros, crianças
e jovens coloridos e sorridentes. Não havia indícios de escassez, muito pelo
contrário, era um festim, assinalando uma
riqueza atordoante.
O casamento era de arrebentar! Afinal, ela era
a filha do coronel Sinhô, o homem mais poderoso daquelas bandas.
20
horas. O noivo aparece de fraque branco e cabelos brilhantes. Irradiava alegria
e um certo toque de esnobismo.
21 horas. E... a noiva não aparecia. O
burburinho da igreja já ecoava. Os convidados, desassossegados, mexiam-se nas
cadeiras. Alguns haviam chegado às 18h30min. Que desperdício de tempo!
Resmungavam. O calor desmanchava os penteados de algumas convidadas que
exageraram no laquê. O noivo, a essa altura, enxugava a testa molhada de suor,
já brilhando ao efeito da luz da capela, que por sinal estava enfeitada com flores
do campo e rosas vermelhas.
O
tempo passava inexorável, e... Nada de noiva! Nisso, chegou correndo um menino
da fazenda. Era o Tonho. Procurava o Coronel. Foram para a sacristia. O noivo, já pálido, pedia um
copo com água. A mãe, quase desfalecendo de ansiedade, embaraçada pelo vexame,
não sabia onde colocar as mãos trêmulas pela aflição da espera..
O
Coronel chamou o noivo, e conversaram baixinho. Zombeteiros, os convidados já
cochichavam maliciosamente, afirmando que a noiva não viria, desistira de
casar.
Passaram cinco intermináveis minutos. Depois,
voltando da sacristia, o noivo demonstrava alívio. Parecia estar mais calmo.
Seu rosto expressava um sorriso amarelo. Algo estranho teria acontecido, mas o
problema já fora solucionado. Dessa forma, retorna ao seu lugar, muito embora
abatido.
O coronel, ressabiado, dirigindo-se aos
convidados com um gesto de mão, comunicava
que a noiva estaria vindo.
Poucos
minutos depois, eis que ela chega. Desce do carro. Os cabelos soltos, adornados
por uma linda tiara, desciam sobre os ombros. O vestido era branco, de renda
francesa, bordado de pérolas e pedras. Circulava o boato de que o coronel o
encomendara de Paris. Lucinha, a noiva, descorada, um pouco atordoada, revelava
um rosto contorcido por algum desconforto. Adentrou a Igreja, ao som da marcha
nupcial, devagarinho, segurando o braço do coronel. Seu andar vacilante, desengonçado, denotava
insegurança. Conseguiu, a muito custo, chegar ao altar, revelando esgotamento
pelo visível esforço.
O padre iniciou a celebração. Todos
acompanharam a missa. Lá para as tantas, o coronel deu a entender ao celebrante
que fosse mais rápido. Pronto atendimento. Terminou a cerimônia. Nem a cantoria
aconteceu. Os noivos se beijaram e,
desajeitados pela pressa, quase escorregaram ao sair da igreja. Pareciam
consternados. Nem as flores jogadas fizeram brilhar os seus rostos aflitos. Tampouco compareceram à
recepção.
Comentaram
que Lucinha tinha sido acometida de uma forte diarréia. Comera um queijo
arruinado. Era tamanha a dor de barriga que quase não conseguira ficar em pé.
Foi necessário usar uma fralda da avó que sofria de incontinência. Falaram até
que o vestido de noiva ficou uma desgraceira.
Pior! Dizem as más línguas que,
naquela noite..., o noivo passara o tempo abanando o vento.
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