Postagens populares

Seguidores

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

A estréia de Gabriela

A  ESTRÉIA  DE  GABRIELA

                                                               Regina Barros Leal

                 Gabriela estava sempre cantando! No seu quarto, amplo e arejado, havia uma cadeira de balanço. Nela, passava parte do tempo cantarolando as mais variadas modinhas. 
                  Nancy morava com sua família. Estatura média, faceira, trabalhadora. Era uma morena de feições rudes, cabelos pretos compridos que ela arrumava, às vezes, em tranças untadas com um creme especial que, até hoje, nunca se soube exatamente o que era. Maria, a lavadeira, arriscava dizendo que era feito pela comadre Joana, com óleo de coco e canela.
                 Nancy tinha grandes e opulentos quadris e, ciente disso, requebrava sensualmente, provocando, por onde passava, piadas maliciosas, principalmente dos rapazes mais afoitos.
                 Quase todos os dias, ao escutar a menina cantando com sua vozinha afinada, dizia:
                -Olha qualquer dia desses vou te levar para cantar no programa de rádio     
          Gabriela tinha, então, uns sete anos. Pequenina, jeitosa, com ar matreiro, próprio das meninas trigueiras, escutava extasiada aquela mulher exótica, que gostava de ouvi-la cantar.
                Um domingo, início de tarde, Nair preparou Gabriela de um modo todo especial. Os cabelos penteados com pequenas trancinhas, o vestido azul enfeitado de bico de renda, rodado sobre uma anágua engomada, sapatinhos brancos e meias bordadas à mão. Orgulhosa do seu feito observou:
                -Que gracinha! Vai fazer sucesso com essa carinha de boniteza! Gabi, vou agora te levar ao programa da rádio. Mas não digas ao teu pai, senão ele me torce o pescoço. Presta atenção!
                Disse isso, segurando delicadamente o braço da garotinha que, assustada, de olhos arregalados, perguntou febrilmente:
                - O quê? Vou cantar no programa da rádio?
                -Sim, retrucou Nancy. Vamos logo, senão chegaremos atrasadas.
E, em seguida, arrastou docemente a menina que se deixou levar, pulando de felicidade. Ônibus lotado. As pessoas se encostavam umas nas outras procurando espaço. Ela protegia a garotinha, como se fosse uma louça de porcelana.
-              Ei! Cuidado, não tá vendo a menina?
                Falava irritada com quem ousava empurrar Gabriela, enquanto passava para o outro lado do ônibus.
                Chegando ao ponto final da parada, desceu agitada, suando e reclamando:
-              Deus me livre, isto é de matar! Você tá bem, minha filha?
                Perguntou com aquele ar de mãe zelosa. Veja! Já chegamos... O auditório da rádio estava superlotado. Espalhavam-se pelos lados, crianças, jovens e adultos.                                          
           Mas Nancy já conseguira um lugar com o Gerardo, seu namorado. Ele, há muito, estava esperando:
-              Mulher, demorou um bocado! O programa já vai começar.
                E olhando para ela, acrescentou:
                - Será a terceira. Já falei com o Augusto.
                 Gabriela, com o olhar ávido, curioso, demonstrou, às largas, sua  alegria infantil.
           O tempo passava... Um garoto de seus dez anos abriu o programa, cantando uma música de Adelino Moreira, gravada por Nelson Gonçalves. Logo depois, uma menina branquinha, com sardas no rosto, voz fina, trêmula, cantou uma música de Marino Pinto e Paulo Soledade, gravada por Dalva de Oliveira, "Estrela do Mar" (Um pequenino grão de areia....). Sua vozinha era estridente e desafinada.
           Chegara a hora de Gabi, e o apresentador anunciou:
                - Atenção, auditório! Agora, vamos escutar a garota revelação. E, olhando para Gabriela gesticulou e a chamou ao palco. E... lá foi Gabriela, esfregando as mãozinhas, parecendo um canarinho assustado.
                  -   O que vai cantar? Perguntou o Augusto.
                  -    “Asa Branca". Respondeu Gabriela, prontamente.
                  -     Ela cantará Asa Branca, de Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga. Falou o apresentador.
                  -  Vai oferecer para alguém? Pergunta delicadamente.
                  -  Pra minha avó, respondeu. 
                  -  Muito bem! E, baixando-se, indagou-lhe:
                  - Qual é o nome da vovó?
           Gabriela, orgulhosamente, disse:
                   - Vovó Hermínia
           Então, anunciou com sua voz possante:
             - Atenção, D. Hermínia sua neta, Gabriela, vai cantar  Asa Branca e oferece à senhora. Parabéns!
               A pequena Gabriela cantou, nesse dia, como nunca o havia feito. Irradiava alegria. Todos ouviram com empolgação e, ao final, aplaudiram entusiasmados. Foi um sucesso! Nair saiu cheia de si.
           Ao chegarem em casa, o pai de Gabriela já estava esperando as duas. Ouvira pelo rádio a menina cantando. Estava exasperado.
           Ao chegarem em casa, ele fez-lhe ver que não queria, em absoluto, uma filha cantora,  e que nunca mais repetisse o feito. Falava com autoridade, de pai cuidadoso e fiel as suas convicções. Meu pai era de uma geração que mantinha valores conservadores e rigorosos.
                E, dirigindo-se para a filha com seus olhos pequenos mas afiados de censura, disse:
           - Vá imediatamente para o seu quarto! E não me desobedeça.
          Gabriela correu entristecida, subindo a escada do casarão. Escorregou e levantou-se rapidamente como se estivesse fugindo de chuva forte em tardes quentes.
           Nancy saiu enraivecida, ante a reação do pai da menina. Ela esperara o pior: que ele a mandasse embora. Mas, comentava na cozinha com Raimundinha, a doceira da casa, que era uma tolice esse pessoal não deixar a menina cantar. Coisa de gente rica!...
           No outro dia, Gabriela amanheceu a sorrir. Nada conseguira ofuscar a sua glória, por mais efêmero que fosse. Só que ela não lograva entender por que seu pai não ficara feliz, se ela havia cantado tão bem!
           Nancy, por sua vez, comentava com os vizinhos:
            - Coitada da menina, ela leva tanto jeito!...

            A partir de então, todas às vezes em que assistia aos programas de auditório, Nair não conseguia disfarçar sua tristeza. Resmungava. Chorava pela garotinha, que não podia realizar seu sonho infantil. E não compreendia o motivo da proibição paterna.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Quem sou eu

Minha foto
Fortaleza, Ce, Brazil
Sou uma jovem senhora que gosta de olhar o mundo de um jeito diferente, buscando encontrar o indecifrável, o indescritível, o inusitado, bem como as coisas simples e belas da vida.