A
ESTRÉIA DE GABRIELA
Gabriela estava sempre cantando! No seu
quarto, amplo e arejado, havia uma cadeira de balanço. Nela, passava parte do
tempo cantarolando as mais variadas modinhas.
Nancy morava com sua família.
Estatura média, faceira, trabalhadora. Era uma morena de feições rudes, cabelos
pretos compridos que ela arrumava, às vezes, em tranças untadas com um creme
especial que, até hoje, nunca se soube exatamente o que era. Maria, a
lavadeira, arriscava dizendo que era feito pela comadre Joana, com óleo de coco
e canela.
Nancy tinha grandes e opulentos
quadris e, ciente disso, requebrava sensualmente, provocando, por onde passava,
piadas maliciosas, principalmente dos rapazes mais afoitos.
Quase
todos os dias, ao escutar a menina cantando com sua vozinha afinada, dizia:
-Olha
qualquer dia desses vou te levar para cantar no programa de rádio
Gabriela tinha, então, uns sete anos.
Pequenina, jeitosa, com ar matreiro, próprio das meninas trigueiras, escutava
extasiada aquela mulher exótica, que gostava de ouvi-la cantar.
Um
domingo, início de tarde, Nair preparou Gabriela de um modo todo especial. Os
cabelos penteados com pequenas trancinhas, o vestido azul enfeitado de bico de
renda, rodado sobre uma anágua engomada, sapatinhos brancos e meias bordadas à
mão. Orgulhosa do seu feito observou:
-Que
gracinha! Vai fazer sucesso com essa carinha de boniteza! Gabi, vou agora te
levar ao programa da rádio. Mas não digas ao teu pai, senão ele me torce o
pescoço. Presta atenção!
Disse
isso, segurando delicadamente o braço da garotinha que, assustada, de olhos
arregalados, perguntou febrilmente:
-
O quê? Vou cantar no programa da rádio?
-Sim,
retrucou Nancy. Vamos logo, senão chegaremos atrasadas.
E, em seguida, arrastou docemente
a menina que se deixou levar, pulando de felicidade. Ônibus lotado. As pessoas
se encostavam umas nas outras procurando espaço. Ela protegia a garotinha, como
se fosse uma louça de porcelana.
- Ei!
Cuidado, não tá vendo a menina?
Falava
irritada com quem ousava empurrar Gabriela, enquanto passava para o outro lado
do ônibus.
Chegando
ao ponto final da parada, desceu agitada, suando e reclamando:
- Deus
me livre, isto é de matar! Você tá bem, minha filha?
Perguntou
com aquele ar de mãe zelosa. Veja! Já chegamos... O auditório da rádio estava
superlotado. Espalhavam-se pelos lados, crianças, jovens e adultos.
Mas Nancy já conseguira um lugar com
o Gerardo, seu namorado. Ele, há muito, estava esperando:
- Mulher,
demorou um bocado! O programa já vai começar.
E
olhando para ela, acrescentou:
- Será a terceira. Já falei com o Augusto.
Gabriela, com o olhar ávido, curioso,
demonstrou, às largas, sua alegria
infantil.
O tempo passava... Um garoto de seus
dez anos abriu o programa, cantando uma música de Adelino Moreira, gravada por
Nelson Gonçalves. Logo depois, uma menina branquinha, com sardas no rosto, voz
fina, trêmula, cantou uma música de Marino Pinto e Paulo Soledade, gravada por
Dalva de Oliveira, "Estrela do Mar" (Um pequenino grão de areia....).
Sua vozinha era estridente e desafinada.
Chegara a hora de Gabi, e o
apresentador anunciou:
-
Atenção, auditório! Agora, vamos escutar a garota revelação. E, olhando para
Gabriela gesticulou e a chamou ao palco. E... lá foi Gabriela, esfregando as
mãozinhas, parecendo um canarinho assustado.
- O
que vai cantar? Perguntou o Augusto.
- “Asa
Branca". Respondeu Gabriela, prontamente.
- Ela
cantará Asa Branca, de Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga. Falou o apresentador.
- Vai
oferecer para alguém? Pergunta delicadamente.
- Pra
minha avó, respondeu.
- Muito
bem! E, baixando-se, indagou-lhe:
- Qual
é o nome da vovó?
Gabriela, orgulhosamente, disse:
- Vovó
Hermínia
Então, anunciou com sua voz possante:
- Atenção,
D. Hermínia sua neta, Gabriela, vai cantar
Asa Branca e oferece à senhora. Parabéns!
A
pequena Gabriela cantou, nesse dia, como nunca o havia feito. Irradiava alegria.
Todos ouviram com empolgação e, ao final, aplaudiram entusiasmados. Foi um
sucesso! Nair saiu cheia de si.
Ao chegarem em casa, o pai de
Gabriela já estava esperando as duas. Ouvira pelo rádio a menina cantando.
Estava exasperado.
Ao chegarem em casa, ele
fez-lhe ver que não queria, em absoluto, uma filha cantora, e que nunca mais repetisse o feito. Falava
com autoridade, de pai cuidadoso e fiel as suas convicções. Meu pai era de uma
geração que mantinha valores conservadores e rigorosos.
E,
dirigindo-se para a filha com seus olhos pequenos mas afiados de
censura, disse:
- Vá imediatamente para o seu
quarto! E não me desobedeça.
Gabriela correu entristecida, subindo
a escada do casarão. Escorregou e levantou-se rapidamente como se estivesse
fugindo de chuva forte em tardes quentes.
Nancy saiu enraivecida, ante a reação
do pai da menina. Ela esperara o pior: que ele a mandasse embora. Mas,
comentava na cozinha com Raimundinha, a doceira da casa, que era uma tolice esse
pessoal não deixar a menina cantar. Coisa de gente rica!...
No outro dia, Gabriela amanheceu a
sorrir. Nada conseguira ofuscar a sua glória, por mais efêmero que fosse. Só
que ela não lograva entender por que seu pai não ficara feliz, se ela havia
cantado tão bem!
Nancy, por sua vez, comentava com os
vizinhos:
- Coitada da menina, ela leva tanto
jeito!...
A partir de então, todas às vezes
em que assistia aos programas de auditório, Nair não conseguia disfarçar sua
tristeza. Resmungava. Chorava pela garotinha, que não podia realizar seu sonho
infantil. E não compreendia o motivo da proibição paterna.
Nenhum comentário:
Postar um comentário