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quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Florbela Espanca- a mulher

Florbela Espanca- a mulher
                                                                       Regina Barros Leal



            Início minha reflexão sobre a escritora Florbela Espanca que gemeu de dor, derramando-se em gotas de amargura, mas de uma beleza etérea em seus versos sofridos, como numa das estrofes de “Silêncio!”.
No fadário que é meu, neste penar/Noite alta, noite escura, noite morta,/Sou o vento que geme e quer entrar,/Sou o vento que vai bater-te à porta...

Não vou historiar sobre a biografia de Florbela Espanca, sobretudo porque já existem fascinantes estudos sobre a poeta que, ao despedir-se tão jovem da vida, aos trinta e seis anos, encerrou sua magnifica obra literária.
 Escolhi discorrer sobre os sentidos, a resistência, a beleza e o significado que a poetisa deixou como legado para os que apreciam o seu estilo e sua força telúrica. Seus poemas retratam a mulher, o ser angustiante, a depressão que chega ao lirismo na sua expressão genuína.
Florbela Espanca me chamou atenção há certo tempo. Seus poemas, a leitura do Livro de Mágoa” me instigou a ler mais sobre a autora, sua biografia, sua obra. Pasma diante de extasiante beleza, de tamanha amargura, quedei-me a fascinação de seus versos idiossincráticos. Fui lendo...lendo e à medida em que lia apaixonava-me pela mulher resistente aos preconceitos e normas. Vi um ser diferente que, ao contrariar códigos, mudou o rumo de sua vida nascente. Apaixonou-se perdidamente, vivenciou dores intensas em sua curta vida, de tal forma singular que a concluiu entregando-se à morte.
Não vou discorrer sobre suas escolhas, suas dores particulares, mas sobre como e quando seus versos me tocaram a alma, os sentidos e os significados para quem leu Florbela Espanca na maturidade da vida. Busquei ao conhecê-la, no sentido profundo que transcende a leitura biográfica, encontrar   minha essência feminina e poética,
 Expresso, pois, emoções pessoais. Li a autora procurando compreender o finito e o infinito do ser, numa procura do indecifrável, da definição do abismal sentimento de solidão. Foi ela, a mulher, a sua saudade sufocante, o amor que a envolveu e a dominou, a rejeição, a desilusão, a dor expressa de maneira inexplicavelmente bela e suas diferentes vestimentas que me aproximaram da poetisa. A mulher que cultivou a paixão no seu extremo, o amor em sua grandeza, a amargura na sua força devastadora, sem perder a beleza estética de sua narrativa.
Desejava descobrir um registro literário de emoções humanas avassaladoras, de atitudes femininas transgressoras, da rebeldia manifesta contra os esgarçados preconceitos, as perdas existenciais e sociais retratadas poeticamente.
  ‘Vacilando entre a moral e o preconceito e a beleza própria do poema, a poesia de Florbela teve um frio acolhimentodurante sua vida. Constatamos a história, “a relação mecanicista vida e obra, que se desenrolou em torno da poeta; tudo muito bem contado, com a base sólida da pesquisa séria de Maria Lúcia Dal Farra em Poemas de Florbela Espanca (Martins Fontes Editora). Retratou  Gerana Damulakis.


Encantada com sua obra enveredei pela leitura de seus poemas e encontrei retornos pessoais, encontros inusitados entre a leitora e a autora, instigada e entusiasmada pela beleza que, ela, tão singularmente nos faz encontrar em seus versos doídos.
Amar
Eu quero amar, amar perdidamente! / Amar só por amar: Aqui... além.../ Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente.../ Amar! Amar! E não amar ninguém! / / Recordar? Esquecer? Indiferente! / Prender ou...
Tédio
Que diga o mundo e a gente o que quiser! /-O que é que isso me faz? ... o que me importa? ... /O frio que trago dentro gela e corta /Tudo que é sonho e graça na mulher! / O que é que isso me importa?! Essa tristeza / É menos dor intensa que frieza, /É um tédio profundo de viver!


Florbela Espanca não participou dos movimentos revolucionários como outros poetas famosos da época o fizeram, entre eles Fernando Pessoa.  O seu tempo angustiante a submergiu, percorrendo sua interioridade nostálgica, a densa fenda do inconsciente que tornara-se permanente em sua cruel agonia. Aprisionada em suas dores rompe em seus sonetos a intensidade aflitiva de seus sentimentos.
                                                          
A maior tortura        
Na vida, para mim, não há deleite. / Ando a chorar convulsa noite e dia .../ E não tenho uma sombra fugidia /Onde poise a cabeça, onde me deite ! /E nem flor de lilás tenho que enfeite /A minha atroz, imensa nostalgia! ... /A minha pobre Mãe tão branca e fria /Deu-me a beber a Mágoa no seu leite!
 Quanta sensibilidade atravessada pela dor espiritual, pela ausência lavrada em seus versos. A mulher solitária, nostálgica, inconformada por sua incompletude, inconsolável pelo amor não correspondido, pelos fracassos, as desventuras existenciais. Sofrimento desconcertante!
               Nessa jornada encontrei uma dor tão grande...tão grande...que chega a ser incompreensível por quem não a passou ou a sentiu. Foi esse sentimento que apreendi, que confirmei ao ler a poeta. O não dito pela impossibilidade de dizer...  Refiz conceitos e reorganizei ideias e as certezas despencaram pela incerteza cruel da idiossincrasia do outro, àquela que nunca chegaremos a conhecer. Esse instante que não foi fugaz e marcou minha experiência com Florbela Espanca e não teria como descrevê-la, por ser indescritível.
  Escrevo então sobre o que não tenho como fazê-lo. Grande paradoxo! Mas a jovem poeta me deixou como legado a sua incrível originalidade, a sua fecunda visão da dor e que eu, na minha maturidade, pude perceber. Foi lindo e sofrido. Entretanto, indizível no mistério do outro.
Este trabalho, portanto, não é um ensaio sobre Florbela, um estudo sobre sua genialidade poética. Levaria páginas e páginas, pois são tantos os ângulos e abordagens! É uma fonte de pesquisa e estudos intermináveis. Não tive, em nenhum instante, essa intenção, mesmo porque teria que mergulhar densamente, por mais um longo tempo sobre sua obra magnífica.  Não sei se a alcançaria.

Registro tão somente minha mais profunda admiração, meu encontro com o inexplicável, que inexplicavelmente me tocou e, assim, continuo a ler Florbela e em cada leitura, em cada poema, encontro sentido e significado por me fazerem refletir sobre a finitude e o infinito do tempo. Não morremos, nos diluímos em versos da vida.

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Sou uma jovem senhora que gosta de olhar o mundo de um jeito diferente, buscando encontrar o indecifrável, o indescritível, o inusitado, bem como as coisas simples e belas da vida.