Emoções em forma de palavras
Aíla
Sampaio
Itinerários vem confirmar o talento de
Regina Barros Leal para transformar emoções em palavras, com a sensibilidade
dos seres ímpares que já nascem predestinados a viver em carne viva. Ela capta
a essência de tudo que a cerca e toma como suas as dores do mundo, cumprindo,
em sua travessia existencial, os preceitos filosóficos de Sartre, para quem o
homem, estando condenado a ser livre, carrega
nos ombros o peso do mundo inteiro: é responsável por si mesmo e pelo outro.
O
conjunto de crônicas que compõem o volume parece arrancado das páginas de seu
diário e permite que vasculhemos sua intimidade e nos inteiremos de suas
verdades e angústias. Disfarçada em Márcia ou Lúcia, contando histórias
vividas, vistas, ouvidas, desnudando dores suas e alheias, ela põe o dedo em
feridas não cicatrizadas e fala de perdas como algo inaceitável. Regina recusa
o sofrimento e, em suas “madrugadas gordas de insônia” (Outra vez), confessa o seu cansaço, a sua impotência ante o
incognoscível. A insônia, sempre epifânica, leva-a à Clarice numa tentativa de
desapriosionamento, na ânsia de aceitar a própria condição de uma existência
perecível e efêmera.
É a
tristeza diante da confirmação dessa perecibilidade que lhe indica a escrita
como forma de catarse, o que ela faz conscientemente, sem pretensão de
ingressar em Academias ou receber o reconhecimento da crítica literária. A sua
criação transcende rótulos intelectuais, se impõe como forma de sobrevivência
de um ser em busca da aceitação da dor inevitável que é viver. Parafraseando Fernando Pessoa, ouso dizer que
ser “escritora” não é uma ambição dela, é a sua maneira de estar sozinha. E é
essa solidão (muitas vezes povoada) que traça seus Itinerários, os caminhos,
os atalhos e as veredas de uma alma nua tentando desvendar os enigmas e
suportar a força dos vendavais, certa de que “não se reescreve a história da
vida” (Tormento), mas se pode viver
plenamente os seus mistérios.
Embora
muitas vezes tristes, suas confissões e histórias não contaminam o leitor com
pessimismo, elas revelam que a vida “é truculenta na perda, mas deslumbrante na
dádiva de continuar vivendo” (A perda do
amigo). Assim, seu senso de humor vai driblando os desencantos, seu desejo
de continuar a caminhada sufoca o medo da morte e suas (tantas) noites de
insônia possibilitam as perscrutações que a fazem essa mulher
extraordinariamente sensível e bela na grandeza da sabedoria que só a
maturidade e a reflexão concedem. Contemplemos sua nudez espiritual, que é só
luz o que ela irradia! E, não posso
deixar de dizer, juventude, porque “não é só a cronologia que define o tempo,
mas, sobretudo o valor que a emoção lhe confere” (Tempo).
Nenhum comentário:
Postar um comentário