Estranhamento
Regina
Barros Leal
Márcia pensava sobre as ondas fugazes do tempo que
passam e nem conseguimos alcança-las. São movimentos velozes que nos deixam
perplexos! 50, 60 anos chegam tão rápidos!
Ouvia o vento uivando na janela semiaberta do quarto!
Percebia as folhagens irrequietas enroscando-se nos jarros da varanda bem
cuidada. Sentada e olhando a singular
circunstância ela presenciava o momento fascinante.
Os ventos de verão na irreverência da natureza,
balançavam a estante de madeira, os jarros de flores, os enfeites da mesinha de
vidro. Como se todos reverenciassem sua majestosa e fascinante presença. Legítima
beleza! Os objetos moviam-se com as rajadas de seus suspiros. Era madrugada e a
janela da sala estava aberta deixando que invadissem o recanto com seu perfume
natural e a selvagem forma de adentrar o ambiente.
Solitária, com os braços enroscados em si mesma,
sentia o corpo estremecer de frio. Não agasalhara-se naquela noite. Desatenta
ao tempo, pousara aventureira na sala, como as borboletas que em voos errantes
ferem suas belas asas, as quais machucadas, perdem o brilho colorido em sua
forma original. Pobres seres distraídos!
Lia avidamente o romance intrigante e, de repente,
ouviu o som ruidoso vindo de seu quarto. Aflita levanta-se e, mais do que
rapidamente subiu os degraus de madeira, adentrando impulsivamente no quarto
azul de cortinas coloridas, leves e esvoaçantes!
Susto! Notou o belo afresco de Siqueira, que tanto
gostava, esparramado no chão, juntamente com o vazo de cristal com as belas
orquídeas que recebera de presente. O vento os derrubara violentamente, sem
mesuras ou qualquer outro cuidado. O vento que tanto amava!
Sentada no chão chorou, não pelos artefatos caídos
e espedaçados, mas por seus sentidos afetivos. Como a tempestade veem sem aviso,
suas lagrimas banharam seu rosto aflito. Meu Deus! O quadro que concebia a
essência do pintor, do amigo que já se fora. O jarro de cristal, lembrança terna
de sua mãe que partira sem dizer adeus. Convulsivamente deixara-se tomar pelo
pranto e soluçava. Nem sabia se era pela forte emoção da saudade, do
significante da circunstância ou porque naquele dia não se percebia plena.
Marcia, perplexa alcançou uma lembrança. Seu avô contava sobre uma experiência ao precipitar-se
no açude perto de sua casa situada numa pequena cidade do interior. Viu-se
enrolado em galhos verdes, vegetação traiçoeira no cenário do medo. Em pânico e
sufocando não conseguia subir à margem. Seu irmão o salvara do afogamento
iminente.
Recordando do fato adentrou no silencio. Ah! Aquele
silencio do finito, do não descrito, da perda, do inevitável. Durou segundos!
Levantou-se e olhando-se no espelho percebeu sua agonia e refez-se.
E ai? Foi um estranha emoção.