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domingo, 5 de fevereiro de 2012


 
    
    
  
Uma tarde de domingo. A meninada corria na praça ao lado. A vila estava em festa. Era o dia do casamento de Lucinha, a garota mais bonita de Suruaru. Bem-nascida, filha do Coronel Sinhô, ela espargia cheiro de rosa por onde passava. Todos os rapazes sonhavam casar com ela. Só sonhos. Lucinha iria esposar o bacharel em direito, Dr. Eduardo, moço bonito das bandas da capital. Rapaz engomado, com ar de opulência escancarada. O pessoal de Suruaru não simpatizava muito com o seu jeitão de menino mimado. Mas o que fazer? Iria assistir à chegada dos noivos, do lado de fora da igreja, pois que só entrariam os convidados do Coronel: a gente importante da cidade. Um magote de gente fina, embestados, assim dizia Zé Mãozinha, apelidado por conta de um defeito de nascença. Sua mão esquerda era pequena e com os dedos encolhidos em concha.
A vila toda estava do lado de fora da igreja, com exceção do padre, do juiz, com sua mulher e filhos, do promotor, dos deputados, do Dr. Soluço, médico da cidade que herdara o apelido pelas freqüentes noites de boêmia. Além deles, os ricos da cidade. Foram esses os convidados. Aos outros, fora-lhes dado o direito de assistirem à entrada e à saída dos noivos e convidados.
Dezoito horas. Os sinos tocaram anunciando um tempo de festa. Aperreados, o padre e o sacristão apareceram na frente da igreja. Faltara a Amelinha, a moça que parecia um rouxinol ao cantar. Maria, sua amiga de infância, acalmando os ânimos, afirmava que não se preocupassem. Amelinha era assim mesmo, agradava-lhe chamar a atenção. Pouco tempo depois, dissipando as dúvidas, ela descia do jipe, acompanhada de sua mãe, Dona Emengarda, costureira famosa da região.
Dezenove horas. Os convidados, mulheres, homens e crianças, arrumados de tal maneira que mais pareciam manequins de lojas chiques, desdenhavam as mulheres fofoqueiras de Suruaru.
Os carros encostavam e, de dentro deles, desciam senhoras cheias de paetês e plumas, magras, opulentas, caminhando com pouca desenvoltura sobre sapatos de salto alto e de bico fino; homens de ternos escuros, crianças e jovens coloridos e sorridentes. Não havia indícios de escassez, muito pelo contrário, era um festim, assinalando uma riqueza atordoante.
O casamento era de arrebentar! Afinal, ela era a filha do coronel Sinhô, o homem mais poderoso daquelas bandas.
Vinte horas. O noivo aparece, de fraque branco e cabelos brilhantes. Irradiava alegria e um certo toque de esnobismo.
Vinte e uma horas. E a noiva não aparecia. O burburinho da igreja já ecoava. Os convidados, desassossegados, mexiam-se nas cadeiras. Alguns haviam chegado às 18h30. Que desperdício de tempo! Resmungavam. O calor desmanchava os penteados de algumas convidadas que exageraram no laquê. O noivo, a essa altura, enxugava a testa molhada de suor, já brilhando ao efeito da luz da capela, que, por sinal, estava enfeitada com flores do campo e rosas vermelhas.
O tempo passava inexorável e... nada de noiva! Nisso, chegou correndo um menino da fazenda. Era o Tonho. Procurava o Coronel. Foram para a sacristia. O noivo, já pálido, pedia um copo com água. A mãe, quase desfalecendo de ansiedade, embaraçada pelo vexame, não sabia onde colocar as mãos trêmulas pela aflição da espera.
O Coronel chamou o noivo e conversaram baixinho. Zombeteiros, os convidados já cochichavam maliciosamente, afirmando que a noiva não viria, desistira de casar.
Passaram cinco intermináveis minutos. Logo depois, voltando da sacristia, o noivo demonstrava alívio. Parecia estar mais calmo. Seu rosto expressava um sorriso amarelo. Algo estranho teria acontecido, mas o problema já fora solucionado. Dessa forma, retorna ao seu lugar, muito embora abatido.
O coronel, ressabiado, dirigindo-se aos convidados com um gesto de mão, comunicava que a noiva estaria vindo.
Poucos minutos depois, eis que ela chega. Desce do carro. Os cabelos soltos, adornados por uma linda tiara, desciam sobre os ombros. O vestido era branco, de renda francesa, bordado de pérolas e pedras. Circulava o boato de que o coronel o encomendara de Paris. Lucinha, a noiva, descorada, um pouco atordoada, revelava um rosto contorcido por algum desconforto. Adentrou a igreja, ao som da marcha nupcial, devagarinho, segurando o braço do coronel. Seu andar vacilante, desengonçado, denotava insegurança. Conseguiu, a muito custo, chegar ao altar, revelando esgotamento pelo visível esforço.
O padre iniciou a celebração. Todos acompanharam a missa. Lá para as tantas, o coronel deu a entender ao celebrante que fosse mais rápido. Pronto atendimento. Terminou a cerimônia. Nem a cantoria aconteceu. Os noivos se beijaram e, desajeitados pela pressa, quase escorregaram ao sair da igreja. Pareciam consternados. Nem as flores jogadas fizeram brilhar os seus rostos aflitos. Tampouco compareceram à recepção.
Comentaram que Lucinha tinha sido acometida de uma forte diarréia. Comera um queijo arruinado. Era tamanha a dor de barriga que quase não conseguira ficar em pé. Foi necessário usar uma fralda da avó que sofria de incontinência. Falaram até que o vestido de noiva ficou uma desgraceira.
Pior! Dizem as más línguas que, naquela noite... o noivo passara o tempo abanando o vento.

 
 
    
   
 
 
    
    
  
Era uma graça! Todos achavam interessante o modo como ela se dirigia às pessoas. Sempre sorridente! Pequena, de calça adequada ao seu tamanho, ela sentava-se na escada e começa a contar. Era uma ótima contadora. Passávamos parte do tempo a escutá-la. Não era preciso mais nada. Bastava sua voz, mansa às vezes, entremeada de risos ao narrar as cenas quentes e alegres de contos e histórias alucinantes. Por onde passava levava seu imaginário baú de histórias. Uma das que mais me chamou atenção foi...
 
    
  
Estranho caso

No velho alpendre verde seu Antônio balançava-se na cadeira de madeira que rangia a cada movimento que ele fazia, enquanto olhava o verde da paisagem.
Alvoroçado Zé entrou suando e jogando ar pelos pulmões enfraquecidos do cigarro:
– Seu Tonho? – perguntou esbaforido, certificando-se que o velho não estava dormindo.
– Sim? – resmungou o velho, olhando de soslaio para o Zé Verde –apelido ganho por conta de sua fisionomia pálida pela anemia e o excesso de nicotina, segundo afirmara o Dr. Mário, médico da região.
– Zero Homem tá mortinho... E tem um monte de gente lá! Disseram que ele foi acoitado.
– Onde foi isso? – perguntou Antônio já se colocando em posição de alerta.
– Lá perto do açude grande. Encontraram o morto nu! Já pensou? – E Zé soltou uma gargalhada cavernosa.
– Que é isso, Zé! Num respeita mais os mortos. Que Deus o tenha.
Nesse momento aproxima-se um menino com as feições assombradas e descoradas. Era Tiquinho, filho da Maria, mulher do seu Anastácio, dono do botequim que ficava ao lado da igreja matriz.
– Seu Tonho? Papai tá com um troço e mamãe pediu que o senhor fosse bem rápido.
– Já tou indo – disse Antônio caminhando para dentro da casa e apanhando o seu inseparável chapéu de palha. – Mas me conte durante o caminho. O que seu pai tem? – perguntou para Tiquinho que mal se sustentava nas pernas trôpegas.
– Sei não.

Perto do açude grande, as pessoas se amontoavam querendo ver o morto. Alguns curtem a tragédia do outro e ficam bebericando morte e intriga. Tem gente que seu vício é esburacar a intimidade das casas e espreitar confusão. Pobres almas cansadas. Suados, alguns empurram uns aos outros para chegar bem perto. Ofegantes, murmuram sobre as condições do morto.
– Nu! Nuzinho! Deus! Por Deus. Que vexame. Nem morto saiu-se dessa – disse alguém.
Dona Cassandra roía as unhas, nervosa e estatelada pelo espanto diante do morto nu. Segundo as más línguas, ela passou, depois do acontecido, noites e noites sonhando com a cadavérica nudez abandonada.
Dr. Onofre, o delegado da região, achega-se, e olhando desconfiado para as pessoas, reclama:
– Poxa! Será que vocês já não viram o bastante? Vão embora, quero resolver esta questão – falou mastigando um palito nos dentes e mostrando o colete com o revólver.
Alguém resmunga entre os dentes:
– Lá vem ele com a conversa fiada de quem vai resolver. Este é o terceiro morto no mês e nada de solucionar o problema.
– Quem falou isso? – pergunta o delegado, mexendo-se para tentar ver o ofensor.
O silêncio responde à pergunta.
– É, bem que o povo diz. Esta cidade só tem papagaio e ave de rapina. – Melindrado, cerrou as mãos e os dedos amarelecidos da nicotina. O delegado fumava uns três maços de cigarro por dia e já demonstrava uma certa impaciência raivosa. Passado algum tempo, atendeu aos soldados que avisaram sobre a chegada do carro que levaria o morto à cidade mais próxima, para fazer o exame com o legista.
Chega finalmente o carro e lá vai o morto nu.

Seu Antônio chegara à casa do pai do Tiquinho, seu Anastácio. O homem estava pálido que nem pá de cal. Seu Antônio o sacode várias vezes e ele não responde, sentado de forma espraiada no velho sofá estampado. Aliás, um estampa de rosas lilás, esmaecidas pelo tempo de uso.
Parando de mexer com Anastácio, Antônio sentou-se no sofá e escorregou a vista pela sala, reparando no lugar, muito desleixado: roupas velhas abarrotadas num velho cesto de plástico; uma mesinha de centro empoeirada; a televisão ligada e com interferências; um abajur coberto com um pedaço de pano lilás e restos de um velho jornal, para não atrapalhar sua luminosidade.
Seu Antônio continuou rodando o olhar em volta e viu velhas fotos penduradas nas paredes de um branco amarelado. Fotos e fotos... E foi aí que algo lhe chamou atenção. A foto de Dona Ritinha com Josefa, sua mulher. Estranho, nunca lhe parecera que fossem amigas...
Mas espanou seu pensamento. Fitou o velho Anastácio e se apiedou daquele homem entregue ao desatino do abandono a si mesmo. Levantou-se e perguntou de forma autoritária ao menino, segurando o pirralho pelas mãos emagrecidas:
– O que foi que aconteceu por aqui?
– Seu Tonho – diz a vareta de gente –, sei não!
Seu Antônio já impaciente repetiu a frase anterior e nada de ouvir uma reposta certa. Foi então que entrou Dona Dalva, a mulher do açougueiro.
Da porta do açougue da esquina dá para ver o açude do Citão.
– Seu Tonho? É o senhor? Ainda bem que chegou. Seu Anastácio ficou fulo de raiva porque Dona Ritinha riu da morto. Diz ele que ela tá ficando doida. E como tem caso na família ele se eriçou todo. Mandou ela calar a boca e não é que ela continuou a dar risadas, cada vez mais altas e saiu dizendo que ia rir mais. Eu a tinha acompanhado para saber o que a Mirtinha ia fazer. Que nada, ela correu feito rato com medo de gato. Depois vim para cá para saber do seu Anastácio. Coitado... Ela estava fora de controle. Disse que havia alguma coisa no ar. E agora?
Seu Antônio não entendia mais nada. Que dera na Dona Ritinha? Mulher tão pacata, séria e muito tímida. Ninguém ouvia sua voz. Será que ela estava escondendo alguma coisa?
O fracote de menino falou entre os dentes.
– Mamãe disse que o papai tá tomando as dores de Dona Ritinha.

Lá perto do açude, o delegado riscando o ar com seu cigarro, diz a seus botões:
– Aqui tem coisa que não é lá muito boa. Esse morto nu, sem testemunhas do crime.
Pensou que tinha de esperar o exame do legista para tirar conclusões.
Saindo do local, resolveu andar e pensar com calma nos fatos.
Por que tamanha afronta? O homem nu ao relento sem nenhum respeito. Isso cheirava a vingança. Seria de mulher traída? Ou de marido enganado? Não descartava nenhuma das hipóteses.
Ronceiro, senta-se numa pedra à beira da estrada e imagina a razão de tanto desatino. Quem poderia ser? Tomou uma decisão. Começaria a investigar as mulheres da cidade. Primeiros as solteiras e depois... Bem, as casadas não estão de fora. Mas como fazer essa investigação sem despertar a curiosidade da gentinha da vila? Eis um caso complicado para ser resolvido. Pudera, nessa cidade de muro baixo, o que não se sabe? Mas agora, esse morto nu? O que virá de novo?
Finalmente um caso para o delegado.

Na casa de Dona Ritinha instala-se o rebuliço. Ela, ainda nervosa com a situação, escondia-se do marido, que aflito a procurava, dirigindo-se para o quarto de onde ouvia um murmúrio.
– Ritinha, onde está tu, mulher?
Lá, sentada numa cadeira de balanço, encontrava-se Ritinha, os braços caídos em total abandono. O rosto encrespado refletia uma indescritível amargura... Os lábios cerravam-se como que não se permitindo falar. Na cabeça uma fita azul amarrava os longos cabelos pretos, em desalinho. O vestido de flores lilás e de fundo branco denunciava uma desarrumação desleixada de quem não tivera tempo para o ritual. Dona Ritinha desmanchava-se em choro denunciado pelos movimentos convulsivos do corpo maduro.
– Ritinha, o que está acontecendo? – perguntava seu Anastácio, já intrigado pelo comportamento insensato da mulher nos últimos instantes. Nada. Ela nada respondia, nada fazia a não ser chorar, chorar compulsivamente.
Ele se perguntou a razão de tanto choro. Será que o homem morto era algum irmão desaparecido? Um amante? Deus, não podia ser... Dona Ritinha era uma mulher pacata.
De repente, um grito! Pois não é que a mulher levantara e saíra correndo feito uma desesperada? Corria rua afora e ninguém conseguiu acompanhá-la. Correu tanto que desapareceu.
Dizem os contadores de histórias que Dona Ritinha foi se encontrar com o espirito do homem nu. Até hoje não se sabe dela. E na delegacia ninguém entendeu o desaparecimento do corpo. O homem nu já era.
Falam que o delegado, até o dia de sua morte, resmungava, com o cigarro entre os dedos e o palito nos dois dentes que sobraram, que o caso da Dona Ritinha tinha sido um misterioso crime, e que o homem nu tinha sido levado por alguma espirito e com ele Dona Ritinha. Ou, segundo ele, Dona Ritinha correu tanto que o homem nu resolveu ajudá-la na correria. Parece que o "causo" da mulher esquentara os miolos do delegado. Mistério!

 
 
    
  
 
    
    
  
Que tristeza. Tantas horas vividas e agora, eis que surge, devastadora, impiedosa e nem sequer pediu licença e levou nosso amigo que mal começara a empreender seu caminho da maturidade. Fomos todos inteiros na dor de sabermos que não mais o veríamos. Assim passou o tempo da missa de sétimo dia. Terminado o ritual, mais que uma surpresa, a constatação do reencontro de tantos amigos que se tinham perdido na esteira do tempo. Abraços. Emoções ditas em sussurro em respeito ao momento. Comentários sobre o amigo que partira tão cedo. Os filhos, os irmãos, as manifestações de pesar. Algumas pessoas iam saindo da igreja despedindo-se dos familiares. Outros foram ao pátio para conversar, outras, ainda dentro da igreja, cumprimentavam-se e expressavam os sentimentos variados do reencontro. Foi nesse instante do abraço entre amigos que recordamos os tempos idos. Tanta vida vivida com entusiasmo. Foi ímpar. Nós, os irmãos e nossos amigos de infância e juventude. Foi um momento mesclado de tristeza e a alegria do reencontro. Quanta insolência nos mostra a vida com sua insensatez. Mas o que fazer se somos também insensatos. Algo me incomodava porque estava alegre naquele momento triste. E quem não estava? Marcamos encontros. Uma data certa para nos juntarmos e falamos de nós mesmos, das estripulias, dos guisados no casarão, dos inocentes jogos da conquista, dos antigos flertes e dos desatinos juvenis.
Saindo da igreja, envolvidos pelo clima, resolvemos visitar a casa de um primo, já embalados pelo sentimento de família que desabrochava inteiro. Chegamos e chamamos por seu nome, quase aos gritos. Mas a casa não era a dele. Quem nos chamou atenção foi a nossa amiga, irmã do falecido:
– Ei, vocês estão doidos. A casa é a outra. – e Lucinha acrescentou, falando para a irmã do primo: – Teus parentes e aderentes estão chegando.
A prima se achegou e convidou todos para entrar. A casa estava em construção. Pedimos então que ela chamasse o José. Ela informou que ele não se encontrava. Ligamos para ele do celular e rapidamente chegou. Mostrou as reformas da casa, que por sinal ficaram ótimas. Ali conversamos um bom tempo.
Quando íamos sair, Nenen, nossa amiga, muito engraçada e irreverente, depois de dizer umas brincadeiras gostosas, nos convidou para entrar em sua casa. Nos mostrou a sala, os cachorros, os jarros de flores, a cozinha. Mas o que mais nos fez rir foi o vigia da casa. Sentado ao lado de uma mesinha redonda, com um copo em cima da mesa, um maço de cigarros e outros objetos. Até aí, tudo bem. Para uma casa daquele tamanho é necessária segurança. A grande surpresa foi percebermos que aquele vigia do lado de dentro da grade do quintal, sentado em uma cadeira, era feito de pano. Pensem! Um boneco todo vestido, imitando o segurança! A gargalhada foi geral. Reconhecemos a irreverente criatividade daquilo, além do grande ovo de galinha, que tinha um tamanho descomunal. Foi uma comédia só.
Conversamos pouco porque um dos irmãos estava apressado. Mas a partir dali, marcamos um encontro com os amigos mais próximos. Fruto dessa circunstância.
Foi uma noite estranha! Diferente! Afetiva! Saudosa! Alegre! Mas assim é a vida. Ela continua implacável e bela. Sabotando nossa tristeza. Truculenta na perda, mas deslumbrante na dádiva de continuar vivendo.

 
 
    

   

 
 
Regina Lúcia Barros Leal da Silveira
Cearense, professora da Universidade de Fortaleza, UniFor, membro da Comissão de Avaliação Institucional dessa universidade. Membro da Associação de Jornalistas e Escritoras do Brasil – Ajeb que lançou uma antologia nacional da qual faz parte, com uma crônica. Mestre em Educação. Escreveu artigos para revistas especializadas, livros e crônicas. Está com um livro no prelo.

 

 


SEGUNDA-FEIRA, 15 DE MARÇO DE 2010

DIDÁTICA E METODOLOGIA APLICADA AO ENSINO MÉDIO


Regina Barros Leal da Silveira / Sinara Sant’ Anna Celistre

DIDÁTICA ABRANGÊNCIA E ESPECIFIDADES

Existe sempre uma Proposta Pedagógica Filosófica, que direciona a ação educativa, norteando o trabalho docente e todas as relações que o envolvem. Esta proposta nem sempre é explícita, pode-se até dizer que, normalmente, ela funciona como um fator culto na educação.
A ação educativa não é uma tarefa neutra, desvinculada da realidade sócio-política e econômica na qual está inserida, pelo contrario, está intimamente relacionada com essa estrutura, servindo para mante-la, reforçá-la ou modificá-la.
Nesse sentido, é fundamental que o professor tenha bem claro sua opção político-pedagógica, possibilitando-lhe responder questões como essas:
Para quem trabalho? Qual a finalidade da Educação? Que ser humano quero formar? O que desejo como educador? Em que se fundamenta o conceito de Pedagogia? Qual o significado da Didática pratica docente? Quais os pressupostos teórico-metodológicos da Didática enquanto área do conhecimento aplicado? Que tendências se manifestam na pratica educativa e o que tem representado essas tendências para a mudança no contexto da educação escolar? Caberá a Didática sistematizar reflexões acerca do fenômeno do fracasso escolar? Qual sua abrangência e especificidades? Quando e como os educadores investigamos pressupostos de sua ação pedagógica?
Para refletir sobre tais questões, muito embora reconhecendo a constituição de vários estudiosos, recorremos aos textos básicos de José Carlos Libâneo, de Osvaldo Alonso Rays, de Ilma Passos Alencastro Veiga, Fernando Pimentel, Fernando Becker, Marcos Masetto e Maria Irene Vale, alem da indicação de leituras complementares.
PRÁTICA EDUCATIVA, PEDAGOGIA E DIDÁTICA
Iniciamos nosso estudo de Didática situando-a no conjunto dos conhecimentos pedagógicos e esclarecendo seu papel na formação profissional para o exercício do magistério. Do mesmo modo que o professor, na fase inicial de cada aula, deve propor e examinar com os alunos os objetivos, conteúdo e atividades que serão desenvolvidos, preparando-os para o estudo da disciplina, também, neste livro cada capitulo se inicia com o delineamento dos temas, indicando objetivos a alcançar no processo de assimilação conscientes de conhecimentos e habilidades.
Este capítulo tem como objetivo compreender a Didática como um dos ramos da Pedagogia, justificar a subordinação do processo didático, finalidades educacionais e indica os conhecimentos teóricos e práticos necessários para orientar a ação pedagógico-didática na escola.
Consideramos, em primeiro lugar, que o processo de ensino-objeto de estudo da Didática- não pode ser tratado como atividade restrita ao espaço da sala-de-aula. O trabalho docente numa das modalidades específicas da prática educativa mais ampla que ocorre na sociedade. Para compreendermos a importância do ensino na formação humana, é preciso considerá-lo no conjunto das tarefas educativas exigidas pela vida em sociedade. A ciência investiga a teoria, a prática da educação nos seus vínculos com a prática social-global e a Pedagogia. Sendo a Didática uma disciplina que estuda os objetivos, os conteúdos, os meios e as condições do processo de ensino, tendo em vista as finalidades educacionais, que são sempre sociais, ela se fundamenta na Pedagogia; é, assim, uma disciplina pedagógica.
Ao estudar a educação nos seus aspectos sociais, políticos, econômicos, psicológicos, para descrever e explicar o fenômeno educativo, a História, a Sociologia, a Psicologia, a Economia. Esses estudos acabam por convergir na Didática, uma vez que esta reúne em seu campo de conhecimentos objetivos e modos de ação pedagógica na escola. Alem disso, sendo a educação uma pratica social que acontece numa grande variedade de instituições e atividades humanas (na família, na escola, no trabalho, nas igrejas, nas organizações políticas e sindicais, nos meios de comunicação em massa etc.), podemos falar de uma pedagogia familiar, de uma pedagogia política etc. e, também, de uma pedagogia escolar. Nesse caso, constituem-se disciplinas propriamente pedagógicas tais como a Teoria de Educação, Teoria de Escola, Organização Escolar, destacando-se a Didática como Teoria de Ensino.
Nesse conjunto de estudos indispensáveis à formação teórica dos professores, a Didática ocupa um lugar especial. Com efeito, a atividade principal do profissional do magistério é o ensino, que consiste em dirigir, organizar, orientar e estimular a aprendizagem escolar dos alunos. É em função da condução do processo de ensinar, de suas finalidades, modos e condições, que se mobilizam os conhecimentos pedagógicos gerais e específicos.
Neste capítulo serão tratados os seguintes temas:
Prática educativa e sociedade;
Educação, instituição e ensino;
Educação Escolar, Pedagogia e Didática;
A Didática e a formação profissional dos professores.
Prática educativa e sociedade
O trabalho docente é parte integrante do processo educativo mais global pelo o qual os membros da sociedade são preparados para a participação na vida social. A educação – ou seja, a prática educativa – é um fenômeno social e universal, sendo uma atividade humana necessária à existência e funcionamento de todas as sociedades. Cada sociedade precisa cuidar da formação dos indivíduos, auxiliar no desenvolvimento de suas capacidades físicas e espirituais, prepará-los para a participação ativa e transformadora nas varias instâncias da vida social. Não há sociedade sem prática educativa nem prática educativa sem sociedade.
A prática educativa não é apenas uma exigência da vida em sociedade, mas também o processo de promover os indivíduos dos conhecimentos e experiências culturais que os tornam aptos a atuar no meio social e transformá-lo em função de necessidades econômicas, sociais e políticas da coletividade.
Através da ação educativa o meio social exerce influências sobre os indivíduos e estes, ao assimilarem e recriarem essas influencias, tornam-se capazes de estabelecer uma relação ativa e transformadora em relação ao meio social. Tais influências se manifestam através de conhecimentos, experiências, valores, crenças, modos de agir, técnicas e costumes acumulados por muitas gerações de indivíduos e grupos, transmitidos, assimilados e recriados pelas novas gerações. Em sentido amplo, a educação compreende os processos formativos que ocorrem no meio social, nos quais os indivíduos estão envolvidos de modo necessário e inevitável pelo simples fato de existirem socialmente; neste sentido, a prática educativa existe numa grande variedade de instituições e atividades sociais decorrentes da organização econômico, político e humana. Em sentido estrito, a educação ocorre em instituições especificas, escolares ou não, com finalidades explícitas de instrução e ensino mediante uma ação consciente, deliberada e planificada, embora sem separar-se daqueles processos gerais.
Os estudos que trata das diversas modalidades de educação costumam caracterizar as influências educativas como não-intencionais e intencionais. A educação não-intencional, refere-se às influencias do contexto social e do meio-ambiente sobre os indivíduos. Tais influências, também denominadas de educação formal, correspondem a processos de aquisição de conhecimentos, experiências, ideias valores, práticas, que não estão ligados especialmente a uma instituição e nem são intencionais e conscientes. São situações e experiências, por assim dizer, casuais, espontâneas, não organizadas, embora influam na formação humana. É o caso, por exemplo, das formas econômicas e políticas de organização da sociedade, das relações humanas, da família, no trabalho, na comunidade, dos grupos de convivência humana, do clima sócio-cultural da sociedade.
A educação intencional refere-se a influencias em que há intenções e objetivos definidos conscientemente, como no caso da educação escolar e extra-escolar. Há uma intencionalidade, uma consciência por parte do educador quanto aos objetivos e tarefas que deve cumprir, seja ele o pai, o professor, ou os adultos em geral – estes muitas vezes, invisíveis atrás de um canal de televisão, do rádio, do cartaz de propaganda, do computador etc. Há métodos, técnicas, lugares e condições especificas previas criadas deliberadamente para citar ideias, conhecimentos, valores, atitudes comportamentos. São muitas as formas de educação intencional e conforme o objetivo pretendido, variam os meios. Podemos falar de educação não-formal quando se trata de atividade educativa estruturada fora do sistema escolar convencional (como é o caso de movimentos sociais organizados. Dos meios de comunicação de massa etc.) e da educação formal que se realiza nas escolas ou outras agencias de instituição e educação (igrejas, sindicatos, partidos, empresas) implicando ações de ensino com objetivos pedagógicos explícitos, sistematização, procedimentos didáticos. Cumpre acentuar, no entanto, que a educação propriamente escolar se destaca entre as demais formas de educação intencional por ser suporte e requisito delas. Com efeito, é a escolarização básica que possibilita aos indivíduos aproveitar e interpretar, consciente e criticamente, outras influencias educativas. É possível, na sociedade atual, com o progresso dos conhecimentos científicos e técnicos, e como e com o peso cada vez maior de outras influências educativas (mormente os meios de comunicação de massa), a participação efetiva dos indivíduos e grupos nas decisões que permeiam a sociedade sem a educação intencional e sistematizada provida pela educação escolar.
As formas que assume a pratica educativa, sejam não-intencionais ou intencionais, formais ou não formais, escolares ou extra-escolares, se interpenetram. O processo educativo, onde quer que se dê, é sempre contextualizado social e politicamente; há uma subordinação à sociedade que lhe faz exigências, determina objetivos e lhe provê condições e meios de ação. Vejamos mais de perto como se estabelecem os vínculos entre sociedade e educação.
Conforme dissemos, a educação é um fenômeno social. Isso significa que ela é parte integrante das relações sociais, econômicas, políticas e culturais de uma determinada sociedade. Na sociedade brasileira atual, a estrutura social se apresenta dividida em classes e grupos sociais com interesses distintos e antagônicos; esse fato repercute tanto na organização econômica e política quanto na pratica educativa. Assim, as finalidades e meios da educação subordinam-se à estrutura e dinâmica das relações entre as classes sociais, ou seja, são socialmente determinados.
Que significa a expressão “a educação é socialmente determinada?” Significa que a prática educativa, e especialmente os objetivos e conteúdos do ensino e o trabalho docente, estão determinados por fins e exigências sociais, políticas e ideológicas. Com efeito, a prática educativa que ocorre em varias instâncias da sociedade – assim como os acontecimentos da vida cotidiana, os fatos políticos e econômicos etc. – é determinada por valoras, normas e particularidades da estrutura social a que está subordinada. A estrutura social e as formas sociais pelas quais a sociedade se organiza são uma decorrência do fato de que, desde o inicio da sua existência, os homens vive em grupos; sua vida está na dependência da vida dos outros membros do grupo social, ou seja, a história humana, a história da sua vida e a história da sociedade se constituem e se desenvolvem na dinâmica das relações sociais. Este fato é fundamental para se compreender que a organização, a sociedade, a existência das classes sociais, o papel da educação estão implicados nas formas que as relações sociais vão assumindo pela ação prática e concreta dos homens.
Desde o início da história da humanidade os indivíduos e grupos travam relações recíprocas diante da necessidade de trabalharem conjuntamente para garantir sua sobrevivência. Essas relações vão passando por transformações, criando novas necessidades, novas formas de organização do trabalho e, especificamente, uma divisão do trabalho conforme o sexo, idade, ocupações de modo a existir uma distribuição das atividades entre os envolvidos no processo de trabalho. Na história da sociedade, nem sempre houve uma distribuição por igual dos produtos do trabalho, tanto materiais quanto espirituais. Com isso, vai surgindo nas relações sociais a desigualdade econômica de classes. Nas formas primitivas de relações sociais, os indivíduos tem igual usufruto do trabalho comum. Entretanto, nas etapas seguintes da história da sociedade cada vez mais se acentua a distribuição desigual dos indivíduos em distintas atividades, bem como do produto dessas atividades. A divisão do trabalho vai fazendo com que os indivíduos passem a ocupar diferentes lugares na atividade produtiva. Na sociedade escravista os meios de trabalho e o próprio trabalhador (escravo) são propriedades dos donos das terras; na sociedade feudal, os trabalhadores (servos) são obrigados a trabalhar gratuitamente as terras do senhor feudal ou a pagar-lhe tributos. Séculos mais tarde, na sociedade capitalista, ocorreu uma divisão entre ou proprietários privados dos meios de produção (empresas, máquinas, bancos, instrumentos de trabalho etc.) e os que vendem a sua força de trabalho para obter os meios da sua subsistência, os trabalhadores que vivem do salário.
As relações sociais no capitalismo são, assim, fortemente marcadas pela divisão da sociedade em classes, onde capitalistas e trabalhadores ocupam lugares opostos e antagônicos no processo de produção. A classe social proprietária dos meios de produção retira seus lucros da exploração do trabalho da classe trabalhadora. Esta, à qual pertence cerca de 70% da população brasileira, é obrigada a trocar sua capacidade de trabalho por um salário que não cobre suas necessidades vitais e fica privada, também, da satisfação de suas necessidades espirituais e culturais. A alienação econômica dos meios e produtos do trabalho dos trabalhadores, que é ao mesmo tempo uma alienação espiritual, determina desigualdade social e consequências decisivas nas condições de vida da grande maioria da população trabalhadora. Este é o traço fundamental do sistema de organização das relações sociais em nossa sociedade.
As desigualdades entre os homens, que na origem é uma desigualdade econômica no seio das relações entre as classes sociais, determina não apenas as condições materiais da vida e de trabalho dos indivíduos mas também a diferenciação no acesso à cultura espiritual, à educação. Com efeito a classe social dominante retém os meios de produção material como também os meios de produção cultural e da sua difusão, tendendo a colocá-la a serviços de seus interesses. Assim, a educação que os trabalhadores recebem visa principalmente prepará-los para o trabalho físico, para atitudes conformistas, devendo contentar-se com uma escolarização deficiente. Além disso, a maioria dominante dispõe de meios de difundir a sua própria concepção de mundo (ideias, valores, práticas sobre a vida, o trabalho, as relações humanas etc.) para justificar, ao seu modo, o sistema de relações sociais que caracteriza a sociedade capitalista. Tais ideias, valores e práticas, apresentados pela minoria dominante como representativos dos interesses de todas as classes sociais, são o que se costuma denominar ideologia. O sistema educativo, incluindo as escolas, as igrejas, as agências de formação profissional, os meios de comunicação de massa, é um meio privilegiado para o repasse da ideologia dominante.
Consideremos algumas afirmações que são passadas nas conversas, nas aulas, nos livros didáticos:
“O governo sempre faz o que é possível; as pessoas é que não colaboram”;
“Os professores não terão que se preocupar com política, o que devem fazer é cumprir sua obrigação na escola”;
“A educação é a mola do sucesso, para subir na vida”;
“Nossa sociedade é democrática porque dá oportunidades iguais a todos. Se a pessoa não tem bom emprego ou não consegue estudar é porque terá limitações individuais”;
“As crianças são indisciplinadas e relapsas porque seus pais não lhes dão educação conveniente em casa”;
“As crianças repetem de ano porque não se esforçam; tudo na vida depende de esforço pessoal”;
“Bom aluno é aquele que sabe obedecer”.
Essas e outras opiniões mostram ideias e valores que não condizem com a realidade social. Fica parecendo que o governo se põe acima dos conflitos entre as classes sociais e das desigualdades, fazendo recair os problemas na incompetência das pessoas que a escolarização pode reduzir as diferenças sociais, porque dá oportunidades a todos. Problemas que são decorrentes da estrutura social são tornados como problemas individuais. Entretanto, são meia-verdades, são concepções parciais da realidade que escondem os conflitos sociais e tentam passar uma ideia positiva das coisas. Pessoas desavisadas acabam assumindo essas crenças, valores e práticas, como se fizessem parte da normalidade da vida; acabam acreditando que a sociedade é boa, os indivíduos é que destoam.
A prática educativa portanto é parte integrante da dinâmica das relações sociais. Suas finalidades e processos são determinados por interesses antagônicos das classes sociais. No trabalho docente, sendo manifestações da prática educativa, estão presentes interesses de toda ordem – sociais, políticos, econômicos, culturais – que precisam ser compreendidos pelos professores. Por outro lado, é preciso compreender, também, que as relações sociais existentes na nossa sociedade não são estáticas, imutáveis, estabelecidas para sempre. Elas são dinâmicas, uma vez que se constituem pela ação humana na vida social. Isso significa que as relações sociais podem ser transformadas pelos próprios indivíduos que a integram. Portanto, na sociedade de classes, não é apenas a minoria dominante que põe em prática seus interesses. Também as classes trabalhadoras podem elaboras e organizar concretamente os seus interesses e formular objetivos e meios de processo educativo alinhados com as lutas pela transformação do sistema de relações sociais vigente. O que devemos ter em mente é que uma educação voltada para os interesses majoritários da sociedade efetivamente se defronta com limites impostos pelas relações de poder no seio da sociedade. Por isso mesmo, o reconhecimento do papel político do trabalho docente implica a luta pela modificação dessas relações de poder.
Fizemos essas considerações para mostrar que a prática educativa, a vida cotidiana, as relações professor-alunos, os objetivos da educação, o trabalho docente, nossa percepção do aluno estão carregados de significados sociais que as constituem na dinâmica das relações entre classes, entre raças, entre grupos religiosos, entre homens, mulheres e adultos. São os seres humanos que, na diversidade das relações recíprocas que travam e vários contextos, dão significado às coisas, às pessoas, às ideias; é socialmente que se formam ideias, opiniões, ideologias. Este fato é fundamental para compreender como cada sociedade se produz e se desenvolve, como se organiza e como encaminha a prática educativa através dos seus conflitos e suas contradições. Para que lida com a educação tendo em vista a formação humana dos indivíduos vivendo em contextos sociais determinados, é imprescindível que desenvolva a capacidade de descobrir as relações sociais reais implicadas em cada acontecimento, em cada situação real da sua vida e da sua profissão, em cada matéria que ensina, como também nos discursos, nos meios de comunicação de massa, nas relações cotidianas, na família e no trabalho.
O campo especifico de atuação profissional política do professor é a escola, à qual cabem tarefas de assegurar aos alunos um sólido domínio de conhecimentos e habilidades, o desenvolvimento de suas capacidades intelectuais, de pensamento independente, crítico e criativo. Tais tarefas representam uma significativa contribuição para a formação de cidadãos ativos, criativos e críticos, capazes de participar nas lutas pela transformação social. Podemos dizer que, quanto mais se diversificam as formas de educação extra-escolar e quanto mais à minoria dominante refina os meios de difusão da ideologia burguesa, tanto mais a educação escolar adquire importância, principalmente para as classes trabalhadoras.
Vê-se que a responsabilidade social da escola dos professores é grande, pois cabe-lhes escolher qual concepção de vida e de sociedade deve ser trazida à consideração dos alunos e quais conteúdos e métodos lhes propiciam o domínio dos conhecimentos e a capacidade de raciocínio necessários à compreensão da realidade social e à atividade pratica na profissão, na política, nos movimentos sociais. Tal ramo na educação, também ensina que é determinada socialmente. Ao mesmo tempo que cumpre objetivos e exigências da sociedade conforme interesses de grupos e classes sociais que a constituem, ensina, cria condições metodológicas e organizativas para o processo de transmissão e assimilação de conhecimentos e desenvolvimento das capacidades intelectuais e processos mentais das alunas, tendo em vista o entendimento critico dos problemas sociais.
2.2.2 Educação, instrução e ensino
Antes de prosseguimos nossas considerações, convém esclarecer a significação dos termos educação, instrução e ensino. Educação é um conceito amplo que se refere ao processo de desenvolvimento unilateral da personalidade, envolvendo a formação de qualidades humanas – físicas, morais, intelectuais, estéticas – tendo em vista a orientação da atividade humana na sua relação com o meio social, num determinado contexto de relações sociais. A educação corresponde, pois, a toda modalidade de influências e interrelações que convergem para a formação de trocas de personalidade social e do caráter implicando uma concepção de mundo, ideais, valores, modos de agir, que se traduzem em convicções ideológicas, morais, políticas, princípios de ação frete a situações reais e desafios da vida prática. Nesse sentido, educação é instituição social que se ordena no sistema educacional de um país num determinado momento histórico; é um produto, significando os resultados obtidos de ação educativa conforme propósitos sociais políticos pretendidos; é processo por consistir transformações sucessivas tanto no sentido histórico quanto no de desenvolvimento da personalidade.
A instrução se refere à formação intelectual, formação de desenvolvimento das capacidades cognoscitivas mediante o domínio de certo nível de conhecimentos sistematizados. O ensino a ação, meios e condições para realização da instituição; contém, pois, a instrução.
Há uma relação de subordinação da instrução à educação, uma vez que o processo e o resultado da instrução são orientados para o desenvolvimento das qualidades especificas da personalidade. Portanto, a instrução, mediante o ensino, tem resultados formativas quando converge para educativo, isto é, o objetivo, quando os conhecimentos, habilidades e capacidades propiciados pelo ensino se tornam princípios reguladores da ação humana, com convicções e atitudes reais frente à realidade. Há, pois, uma unidade entre educação e instrução, embora sejam processos diferentes pode-se instruir sem educar, e educar sem instruir; conhecer os conteúdos de uma matéria, conhecer os princípios morais e normas de conduta não leva necessariamente a praticálos, isto é, a transformá-los em convicções e atitudes efetivas frente aos problemas e desafios da realidade. Ou seja, o objetivo educativo não é resultado natural e colateral do ensino, devendo-se supor por parte do educador um propósito intencional e explicito de orientar a instrução e o ensino para objetivos educativos. Cumpre acentuar, entretanto, que o ensino é o principal meio e fator da educação ainda que não o único – e, por isso, destacada-se como campo principal da instrução e educação. Nesse sentido, quando mencionamos o termo educação escolar, referimo-nos a ensino.
Conforme estudaremos adiante, a educação é o objetivo de estudo da Pedagogia, colocando a ação educativa como objeto de reflexão, visando descrever e explicar sua natureza, seus determinantes, seus processos e modos de atuar. O processo pedagógico orienta a educação para as suas finalidades especificas, determinadas socialmente, mediante a teoria e a metodologia da educação e instrução. O trabalho docente – isto é, a efetivação da tarefa de ensinar – é uma modalidade do trabalho pedagógico e dele se ocupa a Didática.
Educação escolar, Pedagogia e Didática
Como vimos, a atividade educativa acontece nas mais variadas esferas da vida social (nas famílias, nos grupos sociais, nas instituições educacionais ou assistenciais, nas associações profissionais, sindicais e comunitárias, nas igrejas, nas empresas, nos meios de comunicação em massa etc.) e assume diferentes formas de organização. A educação escolar constitui-se num sistema de instrução e ensina com propósitos intencionais, práticas sistematizadas e alto grau de organização, ligadas intimamente às demais práticas sociais. Pela educação escolar democratizam-se os conhecimentos, sendo na escola que os trabalhadores continuam tendo a oportunidade de prever escolarização formal aos seus filhos, adquirindo conhecimentos científicos e formando a capacidade de pensar criticamente os problemas e desafios postos pela realidade social.
O processo educativo que se desenvolve na escola pela instrução, o ensino consiste na assimilação de conhecimentos e experiências acumuladas pelas gerações anteriores no decurso do desenvolvimento histórico-social. Entretanto, o processo educativo está condicionado pelas relações sociais em cujo interior se desenvolve; e as condições sociais, políticas e econômicas aí existentes influenciam decisivamente o processo de ensino e aprendizagem. As finalidades educativas subordinam-se, pois, às escolhas feitas frente a interesses de classes determinados pela forma de organização das relações sociais. Por isso, a prática educativa requer uma direção de sentido para a formação humana dos indivíduos e processos que assegurem a atividade prática que lhes corresponde. Em outras palavras, para tornar efetivo o processo educativo, é preciso dar-lhe uma orientação sobre as finalidades e meios da sua realização, conforme opções que se façam quanto ao tipo de homem que se deseja formar o tipo de sociedade a que se aspira. Esta tarefa pertence à Pedagogia como teoria e prática do processo educativo.
A Pedagogia é um campo de conhecimentos que investiga a natureza das finalidades da educação numa determinada sociedade, bem como os meios apropriados para formação dos indivíduos, tendo em vista prepará-los para as tarefas da vida social: uma vez que a prática educativa é o processo pelo qual são assimilados conhecimentos e experiências acumulados pela pratica social da humanidade. Cabe à Pedagogia assegura-lo, orientando-o para finalidades sociais e políticas, e criando um conjunto de condições metodológicas e organizativas para viabilizá-lo.
O caráter pedagógico da pratica educativa se verifica como ação consciente, intencional e planejada no processo de formação humana, através de objetivos e meios estabelecidos por critérios socialmente determinados e que indicam o tipo de homem a formar, para qual sociedade, com que propósitos vincula-se, pois, as opções sociais e políticas referentes ao papel da educação num determinado sistema de relações sociais. A partir daí a Pedagogia pode dirigir e orientar a formulação de objetivos e meios do processo educativo.
Podemos, agora, explicar as relações entre educação escolar Pedagogia e ensino: a educação escolar, manifestação peculiar do processo educativo global; a Pedagogia como determinação do rumo desse processo em suas finalidades e meios de ação; o ensino como campo especifico da instrução e educação escolar. Podemos dizer que o processo de ensino-aprendizagem é, fundamentalmente, um trabalho pedagógico no qual se conjugam fatores externos e internos. De um lado, atuam na formação humana como direção consciente e planejada, através de objetivos/conteúdos/métodos e formas de organização propostos pela escola e pelos professores de outro, essa influência externa depende de fatores internos, tais como condições físicas, psíquicas e sócio-culturais dos alunos.
A pedagogia, sendo ciência da e para educação estuda a educação, a instrução e ensino. Para tanto compõe-se de ramos de estudos próprios, como a Teoria da Educação, a Didática, a Organização Escolar a Historia da Educação e da Pedagogia. Ao mesmo tempo, busca em outras ciências os conhecimentos teóricos e práticos que concorrem para o esclarecimento do seu objeto, o fenômeno educativo. São elas: Filosofia da Educação, Sociologia da Educação, Psicologia da Educação, Biologia da Educação, Economia da Educação e outras.
O conjunto desses estudos permite aos futuros professores uma compreensão global do fenômeno educativo, especialmente de suas manifestações no âmbito escolar. Essa compreensão diz respeito a aspectos sócio-políticos da escola, na dinâmica das relações sociais; dimensões filosóficas da educação (natureza, significado e finalidades, em conexão com a totalidade da vida humana); relações entre a prática escolar e a sociedade no sentido de explicitar objetivos político-pedagógicos em condições históricas e sociais determinadas e as condições concretas do ensino; processo de desenvolvimento humano e o processo de cognição; bases cientificas para a organização dos conteúdos, dos métodos e formas de organização de ensino, articulação entre a modificação escolar de objetivos/conteúdos/métodos e os processos internos atimentes ao ensino e à aprendizagem.
A Didática é o principal ramo de estudos da Pedagogia. Ela investiga os fundamentos, condições e modos de realização da instrução e do ensino. A ela cabe converter objetivos sócio-políticos e pedagógicos em objetivos de ensino, selecionar conteúdos e métodos em função desses objetivos.
Estabelecer os vínculos entre ensino e aprendizagem, tendo em vista o desenvolvimento das capacidades mentais dos alunos. A Didática está intimamente ligada à Teoria da Educação e à Teoria da Organização escolar e, de modo muito especial, vincula-se à Teoria do Conhecimento e à Psicologia da Educação.
A didática e as metodologias especificas das matérias do ensino foram uma unidade, mantendo entre si relações recíprocas. A Didática da teoria geral do ensino. As metodologias especificas, integrando a da Didática, ocupam-se dos conteúdos e métodos próprios de cada, na sua relação com fins educacionais. A Didática, com base em seus vínculos com a Pedagogia, generaliza processos e procedimentos obtidos na investigação das matérias especificas, das ciências que dão embasamento ao ensino e à aprendizagem e das situações concretas da prática docente. Com isso, pode generalizar para todas as matérias, sem prejuízo das peculiaridades metodológicas de cada um, e que é comum o fundar no processo educativo escolar.
Há também estreita ligação da Didática com os demais campos do conhecimento pedagógico. A Filosofia e a História da educação ajudam a reflexão em torno das Teorias Educacionais, indagando em que consiste o ato educativo, seus condicionantes externos e internos, seus fins e objetivos; busca os fundamentos da prática educativa.
A Sociologia da Educação estuda a educação como processo social e ajuda os professores a reconhecerem as relações entre o trabalho docente e a sociedade. Ensina a ver a realidade social no seu movimento, e da dependência mútua entre seus elementos constitutivos, para deter os nexos constitutivos da realidade educacional. A par disso, estuda-a como “fenômeno sociológico”, isto é, uma organização social que sua estrutura interna de funcionamento interligada ao mesmo tempo com outras organizações sociais (conselhos de pais, associações de bairros sindicatos, partidos políticos etc.). A própria sala de aula é um ambiente social que forma, junto com a escola como um todo, o ambiente global da atividade docente organizando para cumprir os objetivos e ensino.
A Psicologia da Educação estuda importantes aspectos do processo de ensino e de aprendizagem, como as implicações das fases de desenvolvimento dos alunos conforme idades e os mecanismos psicológicos presentes na assimilação ativa de conhecimentos e habilidades. A Psicologia aborda questões como: o funcionamento da atividade mental, a influência do ensino no desenvolvimento intelectual, a ativação das potencialidades mentais para a aprendizagem, a organização das relações professor-alunos e dos alunos entre si, a estimulação e o despertar do gesto pelo estudo etc. A Psicologia, de sua parte, fornece importante contribuição também, para a orientação educativa dos alunos.
A estrutura e funcionamento do Ensino inclui questões da organização do sistema escolar nos seus aspectos políticos e legais, administrativos, e aspectos do funcionamento interno da escola como a estrutura organizacional e administrativa, planos e programas, organização do trabalho pedagógico e das atividades discentes etc.
A Didática e a formação profissional do professor
A formação profissional do professor é realizada nos Cursos de Habilitação ao Magistério a nível de 2º grau e superior. Compõe-se de um conjunto de disciplinas coordenadas e articuladas entre si, cujos objetivos e conteúdos devem confundir para uma unidade teórico-metodológica do curso. A formação do professor abrange, pois, duas dimensões: a formação teórica cientifica, incluindo a formação acadêmica especifica nas disciplinas em que o docente vai especializar-se e a formação pedagógica, envolve os conhecimentos da Filosofia, Sociologia, História da Educação e da própria Pedagogia que contribui para o esclarecimento de fenômeno educativo no contexto histórico-social; a formação técnico-prática visando a preparação profissional especificas para a decência, incluindo a Didática, as metodologias especificas das matérias, a psicologia da educação, a pesquisa educacional e outras.
A organização dos conteúdos da formação do professor em aspecto teórico e práticos de modo algum significa considerá-los isoladamente. São aspectos que devem ser articulados. As disciplinas teórico – cientificas são necessariamente referidas à pratica escolar, de modo que os estudos específicos realizados no âmbito da formação acadêmica sejam relacionados com os de formação pedagógica que tratam das finalidades da educação e dos condicionantes históricos, sociais e políticos da escola. Do mesmo modo, os conteúdos das disciplinas especificam precisam ligar-se às suas exigências metodológicas. As disciplinas de formação técnico - pratica não se reduzem ao mero domínio de técnicas e regras, mais implicam também os aspectos teóricos, ao mesmo tempo que fornece à teoria os problemas e desafios da prática. A formação profissional do professor implica, pois, numa continua interpenetração entre teoria e prática, a teoria vinculada aos problemas reais postos pela experiência prática e ação prática orientada teoricamente.
Nesse entendimento, a Didática se caracteriza como mediação entre as bases teóricas – cientificas da educação escolar e a prática docente. Ela opera como que um ponto entre o “o que” e o “como” do processo pedagógico escolar. A teoria pedagógica orienta a ação educativa escolar mediante objetivos, conteúdos, e tarefas da formação cultural e cientifica, tendo em vista exigências sociais concretas, por sua vez, a ação educativa somente pode realizar-se pela atividades praticas do professor de modo que as situações didáticas concretas requerem ou “ como” da intervenção pedagógica. Este papel de síntese entre a teoria pedagógica e a prática educativa real assegura a interpenetração e interdependência entre fios e meios da educação escolar e, nessas condições, a Didática pode constituir-se em teoria do ensino. O processo didático efetivo a mediação escolar de objetivos, conteúdos e métodos das matérias de ensino. Em função disso, a Didática descreve e explica os nexos, relações e ligações entre o ensino e aprendizagem; investiga os fatores co-determinantes desses processos; indica princípios condições e meios de direção do ensino, tendo em vista a aprendizagem que são comuns ao ensino das diferentes disciplinas de conteúdos específicos. Pra isso, recorrem as contribuições das ciências auxiliares da Educação de própria metodologia especificas. É, pois, uma matéria de estilo que entregam e articula conhecimentos teóricos e práticos obtidos nas disciplinas acadêmicas, formação pedagógica e formação técnico-prática, provendo que é comum, básico e indispensável para o ensino de todas as demais disciplinas de conteúdos.
A formação profissional para o magistério requer, assim, uma solida formação teórico-prática. Muitas pessoas acreditam que o desempenho satisfatório do professor na sala de aula depende de vocação natural ou somente da experiência prática, descartando-se a teoria. É verdade que muitos professores manifestam especial tendência e gosto pela profissão assim como se sabe que mais tempo de experiência ajuda no desempenho profissional. Entretanto o domínio das bases teórico-cientificos e técnicas, e sua articulação com as exigências concretas do ensino, permitem maior segurança profissional, de modo que o docente ganhe base para pensar sua pratica e aprimore sempre mais qualidades do trabalho.
Entre os conteúdos básicos da Didática figuram os objetivos e tarefas do ensino na nossa sociedade. A Didática se baseia numa concepção de homem e sociedade e, portanto, subordina-se a propósitos sociais, políticos e pedagógicos para educação escolar a serem estabelecidos em função da realidade social brasileira.

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Fortaleza, Ce, Brazil
Sou uma jovem senhora que gosta de olhar o mundo de um jeito diferente, buscando encontrar o indecifrável, o indescritível, o inusitado, bem como as coisas simples e belas da vida.